DESVIOS COGNITIVOS I
Nosso cérebro é uma fábrica de crenças e
somos programados pela natureza para crer nas coisas que normalmente não existem.
Como a mente é um constructo do
cérebro e a seleção natural nos contemplou com o instinto de rebanho, somos
programados em grupo para buscar modelos significantes, contendo ou não algum
sentido, para depois infundir a sensação de lógica nesses próprios modelos. Claro
está que, se estabelecemos padrões, logo geramos outros. Nossa mente nos engana
para nos fazer felizes.
Acontece que, na ultramodernidade, emergiu
o conceito da “crença na crença”, talvez pelo concomitante afloramento do
relativismo da verdade, que passou a fazer parte do cardápio cultural do nosso
tempo. Como não é mais possível cobrar do senso comum crença em A, B ou C, a
menos que haja crença em algo, o que é melhor que o nada, porque o nada, nada
é. Um pressuposto, não? Pode-se crer talvez no vento, nas mariposas xamânicas
ou em qualquer outra referência que nos chegue. Essa ideia agrega e atende ao
necessário que propõe o espírito de coletividade, embora seja uma falsa
premissa, pois não passamos de primatas sociais que sofrem de constantes desvios
cognitivos.
Os padrões de crença são introjetados nas
crianças desde cedo e isso se torna um processo extremamente covarde, poderoso,
que talvez permaneça pelo resto da existência. Essas crianças quando crescem,
às vezes, abandonam as crenças. Ou as adotam em definitivo através de
influência hereditária, reforçadas por imensas bagagens de argumentos, que se pretendem
convincentes, com o fim de perpetuar a crença dos genitores e progenitores. Torna-se,
assim, mais o cumprimento de um rito familiar – um tipo de continuidade –, um
compromisso enraizado. É como se a religião dos pais viesse através do leite
materno. Na verdade, esses padrões de crenças familiares se enraízam de forma
duradoura, de modo ritualístico, um tipo de tributo prestado aos próprios
antepassados.
A questão primordial da vida é o sentido
que implantamos nela e o significado que lhe conferimos. O cérebro outorga à
mente a propagação desenfreada de modelos de crenças, tarefa biológica para
atuar como proteção ao indivíduo, sem que importe muito a veracidade da crença
em questão. Para o cérebro, não funciona a qualidade da crença que o indivíduo
escolha. Importa antes que os modelos fortaleçam as crenças selecionadas: são biologicamente
protetivas, mesmo que não façam nenhum sentido teológico.
O importante é acreditar em qualquer coisa
para que se alcance a estabilidade emocional? A saúde, então, tende a ficar do
lado do homem que tenha fé até num par de sapatos velhos? A estabilidade
emocional do indivíduo parece ficar restaurada, mas desde que ele seja fiel aos
princípios do que a crença selecionada propõe e impõe, para que se efetive a
sintonia neuronal.
Pelo ângulo exposto, surgem retalhos, produção
neural, que vão compor um conceito e, em seguida, solidificá-lo através de uma
sustentação intelectual qualquer. São certos paradigmas que podem conter ou não
um significado real. Quando não há traços de razão ou cientificidade na
construção dos conceitos, o que resta mesmo é o que se denomina de desvio
cognitivo. São esses desvios que moldam e reforçam as crenças. Tanto isso faz
sentido para a neurociência, que temos há séculos o credo quia absurdum est[1]...
Nossos neurônios pedem coalizões. Portanto,
o resultado disso é a necessidade da busca, na mente dos mamíferos cognitivos
como nós, pelos que mantêm a mesma linha de pensamento em crendices e voos religiosos
imaginários. Nessa busca, tudo que se situar fora do mundo perceptivo do
crente, passa a ser preterido e até demonizado. Chamo a isso de inferência paradigmal injuntiva.
Quanto mais mergulhamos na crença que nos
dá um suposto equilíbrio, amparados pela estrutura neural, mais cresce a
tendência de execrar aqueles que estão fora do nosso contexto perceptivo. Chamo
a isso de presunção de inequivocidade fideísta.
Teria a seleção natural nos legado tal
conduta involuntária? Longe disso, é apenas como o cérebro funciona para proteger
o indivíduo e definir o instinto de rebanho – ao tempo que produz coalizões
protetivas imprescindíveis. Afinal de contas, a natureza não é boa nem má:
apenas nos fornece os meios adaptativos. Precisávamos formar bandos, hordas,
grupos – grupos sociais. Por exemplo, os que se reúnem em torcida de um
determinado time de futebol; em torno dos jogos preferidos; de esportes; associações
culturais; filantrópicas e, por fim, religiosas. “Meu time é o melhor e a minha
religião também! A crença que escolhi é a verdadeira. Todas as religiões são
boas, mas a minha é a melhor”. Deduzimos, assim, que essas afirmações provêm
dos processos cognitivos desviantes e outorgam ao indivíduo a sensação de
certeza...
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