A HUMANIDADE PEDE SOCORRO!
Existem momentos que penso em parar com esse tipo de debate. Única e exclusivamente pela cegueira intelectual das pessoas. Pela ingenuidade das mesmas. Fico absolutamente estarrecido com a falta de discernimento e bom senso das pessoas em não refletir sobre as verdades que a ciência expõe diante dos nossos olhos com a maior clareza possível! Como pode o ser humano insistir nos milhões de opiniões, mais diversificadas possíveis, que as religiões impingem às pessoas, uma vez que a ciência só tem uma versão para cada caso evidente e resolvido através das suas experiências claras? Como pode o ser humano preferir historinhas loucas à solidez da ciência que nos proporcionou a sobrevivência até os dias de hoje. Se somos felizes e prosseguimos vivos é pela ciência e não pelas fantasias religiosas, que cada um insiste em ter a sua... E são capazes até de arrancar as orelhas uns dos outros por causa da estupidez dos dogmas inventados pelo clero... Para isso mesmo: manter a humanidade dividida por completo, com medo, com ódio, pois é a única forma de sustentar o mercado de trabalho e a zona de conforto da turma dos religiosos profissionais... Para que continuarmos a perder tempo com religiões, num mundo em que, a cada instante, precisamos mais uns dos outros? De ajuda e de amor sem administrações religiosas!
Pois bem, aqui faço a postagem de mais um trecho do meu livro A indústria da fé, bem de acordo com o protesto acima... Temos que acabar com o conforto e o mercado de trabalho cínico dos religiosos profissionais, que manipulam nossas vidas para viver na zona de conforto nababescamente, enquanto na verdade não precisamos mais deles!
AS TRADUÇÕES, INTERPRETAÇÕES
E FRAUDES DA BÍBLIA...
A cada dia, o livro dos criacionistas perde
terreno. Os teólogos percebem que já não sustentam mais a força dos argumentos
de outrora, quando as pessoas não ousavam questionar o Gênesis.
Os religiosos adotam uma rede defensiva de
total inconsistência com relação a uma dialética mais profunda. Limitam-se à
sedução da fantasia dos fatos narrados pelo senso comum, alicerçados em
registros bíblicos aleatórios. Na prática, misturam teologia com exemplos de
fatos cotidianos da vida dos irmãozinhos... São meros ajustes infantis
adaptados por grupelhos de compreensão acanhada que, normalmente, compõem o
universo neopentecostalista.
Os sacerdotes jamais esclarecem nada aos
seus seguidores sobre o evolucionismo, apenas se limitam a dizer que se trata
de coisa do Demo. Preferem enganar os fiéis com histórias da criação. Esta é a
tarefa do sectarismo, a mentira travestida de religiosidade.
“Façamos a Bíblia segundo os nossos
propósitos e interesses...”, disse o clero. “Façamos Deus a nossa imagem e
semelhança...”, disse o homem. Assim, foi construído um Deus semiperfeito,
curiosamente com todos os “predicados”: virtudes, furor, ternura e reações
temperamentais, como as do homem judeo-cristão.
Vejamos, então, um pouco sobre as escrituras
concebidas como sagradas. Sua origem, conceitos, dúvidas, discrepâncias,
cânones e seu lado “misterioso”.
Os livros proféticos da Bíblia são: Isaías, Jeremias, Lamentações,
Ezequiel, Daniel, Ozéias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Os livros poéticos e sapienciais são:
Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Ester e Rute.
Os católicos fazem o acréscimo de seis
livros oriundos da Septuaginta[i]:
Macabeus I e II, Baruch, Sabedoria, Eclesiástico, Tobias, Judite, e alguns
episódios do livro de Ester e de Daniel. Esses livros são também conhecidos
como Deuterocanônicos[ii]. São vinte e sete livros que formam o Novo
Testamento: o Evangelho de Mateus, Marcos, Lucas, João; os Atos dos apóstolos;
as cartas de Paulo, Tiago, Pedro, João, Judas e o livro do Apocalipse de João. Grande
parte dos livros da Bíblia foi escrita em hebraico; aramaico e, finalmente, em
grego.
Devido à linguagem literal que a tradução grega
expressa, veio à luz mais uma adaptação inicial da Bíblia. O papa Damaso I fez
a encomenda a são Jerônimo da primeira tradução das escrituras para o latim. A
obra foi concluída no ano de 404 d.C., como modelo definitivo para a fé cristã
e chamada de Vulgata[iii]. No
Concílio de Trento, em 1546, a Vulgata
foi oficializada pela Igreja Romana, sendo o texto revisado em 1592, com o nome
de Vulgata Clementina, em homenagem
ao papa Clemente VIII, o Viperino.
Abordando um assunto tão delicado como as
traduções da Bíblia, é bom lembrar que o ponto mais sério de tudo situa-se no
plano das adaptações e não das traduções propriamente ditas. As traduções são
repletas de erros, mas é nas adaptações tendenciosas que atinamos a fraude. Nos
milhares e milhares de cópias! Nos copistas malandros que, ao bel-prazer e
segundo a visão pessoal, distorceram abusivamente o conteúdo das escrituras
originais através dos séculos. Na verdade, nenhum texto original da Bíblia
jamais chegou às nossas mãos... Nenhum original. Somente cópias das cópias, das
cópias, das cópias, depois de séculos de distorções e desvios tendenciosos para
perpetuar a teocracia que manteve a humanidade enganada até hoje. Foi exatamente
isso o que aconteceu. Se realmente houvesse um Deus interessado em dar a sua
palavra aos homens, por acaso teria usado centenas de escribas e copistas
imbecis e mal-intencionados, através de séculos, para nos legar um texto tão
duvidoso? “Desperta tu que dormes”...
Depois de passar trinta anos de crença cega
na Bíblia, vírgula por vírgula, cem vezes mais no seu texto do que na minha
própria certidão de nascimento, olhei para o espelho e disse: “Não posso mais crer
em fábulas e fechar os olhos para o que sinto como realidade. Não tenho mais
como virar o rosto para o grande vazio da existência humana, nem como trapacear
minha razão. Outrora, minha personalidade era a soma das experiências, das alegrias
e dos sonhos. Hoje, é uma colcha de retalhos do sectarismo. Preciso enfrentar
meu solipsismo agora, curvando-me à realidade da vida”. Foi o momento em que as
argolas que prendiam a pesada cortina de cores falsas que compõem o palco da
nossa existência se partiram e fizeram com que a cortina viesse ao chão. O
momento em que fiquei só, de verdade, no mundo. Estranho foi o que vi no fundo
do palco, em meio à sombra, o infinito para ser decifrado, pairando no ar um
indício de felicidade: Omnia Mea Mecum
Porto[iv].
Trinta anos imerso na religião do medo, pela
introjeção de um paradigma de angústia e culpabilidade, disfarce de
contentamento para a anulação da vida. Esta é a razão do presente livro, a
denúncia das metástases do sectarismo e da prisão do espírito, pois a religião da
sacola de dogmas não se justifica mais. Sim, pois a pretensão de resolver uma
questão dizendo-se que a resposta é um mistério deixa de ser uma resposta. Essa
balela de “mistérios” que a religião continua a usar no mundo de hoje não
basta, a não ser para os tolos ou ingênuos. Robert Pirsig disse que “quando uma
pessoa sofre de um delírio, isso se chama insanidade. Quando muitos sofrem de
um delírio, isso se chama religião”...
De tempos em tempos, o homem faz as suas
revisões. Nossa visão de mundo é repensada aqui e acolá, uma vez que somos
absolutamente mutáveis. Assim, de-parei comigo.
É sempre o temor que nos impede de navegar.
Nesses trinta anos, sob o signo do medo. De pensar, sobretudo. De exercer a
maior dádiva da natureza ao ser humano, a reflexão.
Comecei a pensar na ideia da benignidade
total de Deus, pois esse foi o ponto de partida para todas as religiões.
Entretanto, se admitirmos que Deus também possa ser o autor do mal, para que
serve qualquer tipo de religião? Nosso conceito de verdade está ligado ao
absoluto – é na religiosidade multíciple que a qualidade pela qual as coisas se
apresentam como são tornam-se relativas.
Há muito, ouvimos a declaração: “A Bíblia é
a palavra de Deus”. Por quê? Porque assim ficou assentado como segunda natureza.
Não é matéria discutível pela massa. Os teólogos, os nossos pais, disseram
tanto que virou refrão, cânone! Analisando, a Bíblia é tanto palavra de Deus
quanto o papa é infalível, quanto Maomé é o profeta de Alá, ou quanto o partido
político da nossa preferência é o que reúne mais predicados para preencher os
anseios do povo.
Seria melhor admitirmos com honestidade que
a Bíblia, apenas, poderia conter a palavra inspiradora de um momento espiritual.
Que parte da sua essência se propõe a revelar coisas que estão acima e em
oposição aos interesses materiais do homem, portanto, pode ser algo lucrativo para
a degustação espiritual. Seria coerente, entretanto, admitirmos que todas as
interferências tendenciosas daqueles que a escreveram, respaldados por grupos
viperinos, têm como único objeto sustentar e tornar indelével a teocracia
através dos séculos. O governo de um deus adaptado pelo governo secreto do
mundo. Sabe-se lá o que é isso: governo secreto do mundo?...
Para que a massa ignara do passado tivesse
em mãos um manual prático que apontasse soluções para todos os problemas
familiares, gastronômicos, políticos, sexuais e econômicos, necessária seria uma
cartilha montada pela igreja, com o aval do próprio Estado. Assim, tal coisa
aconteceu de forma heteróclita e intencionalmente heterogênea. É pena que numa
tentativa impossível de obter-se cadência estilística e inteligibilidade, pelo
menos para a nossa época, em virtude dessa tentativa pretender dar aparência
novelística a períodos históricos tão díspares. Entretanto, o brilhantismo da
estratégia piomercadológia da época não se resumiu na iniciativa inevitável de
compilar os livros considerados sagrados, mas, sobretudo, no ato de popularizar
e tornar santa uma coletânea que, circulando no mundo como uma cartilha-bússola,
jamais poderia ser questionada. O grande truque foi canonizá-la. Deu para
entender? Canonização! Essa foi a jogada magistral da Igreja que o mundo não
consegue ver: a criação de um código que nunca pôde ser discutido!
Quando os homens decidiram iniciar os
registros dos seus primórdios, surgiu a dificuldade de criar a primeira
história. Tinham que ser convincentes e férteis na imaginação. Foi preciso
angariar a credibilidade dos primeiros agregados dos seus iguais.
Voltaire nos descreve várias histórias
sobre as origens. Os helenos tinham Pandora como a primeira mulher da
humanidade, agraciada com todos os dons pelos deuses. Zeus havia encerrado
todos os males numa caixa. Pandora, como Eva na Bíblia, burlou a confiança de
Zeus, abriu a caixa e todas as misérias recaíram sobre a raça humana. O fundo
da caixa de Pandora ficou vazio, mas passou a representar uma esperança para a
humanidade.
Os hindus já diziam que Deus, ao criar o
primeiro homem, deu-lhe uma poção que seria uma garantia para a saúde eterna,
mas esse mesmo homem guardou a poção na garupa do seu jumento. O quadrúpede,
porém, teve sede e, ao procurar água, encontrou uma serpente que lhe indicou o
caminho de uma fonte. O asno distraiu-se ao beber a água e a serpente deslizou
até a garupa para roubar-lhe a poção. O homem perdeu tudo.
Para os antigos sírios, a coisa era um
pouco diferente. O homem e a mulher foram criados no quarto céu. Eles se
alimentavam de ambrosia[v], mas
transgrediram as normas e resolveram comer um bolo folhado no lugar da
ambrosia, que era eliminada pelos poros. Com o bolo, o processo foi diferente:
deixou-os com os intestinos destrambelhados! Precisaram, então, de uma privada.
De pronto, pediram a um anjo para mostrar-lhes o caminho da mesma. Aí, o ser
celestial disse-lhes: “Estão vendo aquele ponto lá em baixo? Aquele pequeno
planeta a, mais ou menos, sessenta milhões de léguas? Pois bem, é lá a privada
do universo... Vão lá, mas não se demorem”. O casal desceu para sanar a
necessidade, mas decidiu ficar no novo planeta. Desde então, o mundo se tornou
o que é – uma colônia penal.
Fustel de Coulanges[vi], na
sua obra La Cité Antique, dá-nos uma
visão bastante clara sobre o início das crenças da Antiguidade, onde, curiosamente,
encontramos uma analogia entre quase todas as crendices antigas. Os povos da Antiguidade,
nas origens das populações gregas e latinas, alimentavam a crença de que,
apesar da nossa breve existência, o homem jamais poderia terminar na sua morte
física. Esperavam por outra existência além do mundo conhecido. A morte era
vista apenas como mudança de vida e não como aniquilação do ser.
Hoje, nada tenho como definitivo. Nem como
permanente, exceto as minhas lembranças. Não sejamos hipócritas: nossa
indestrutível posição religiosa de antanho obviamente não é mais a mesma.
Sabemos muito bem que nas sombras do nosso coração, nos cantos mais ocultos que
tememos vislumbrar, não partilhamos tanto as mesmas supostas verdades com os
demais da nossa seita, da comunidade religiosa, mas, simplesmente, preferimos
não olhar para o espelho... Para que? Por que correr novos riscos? Um preço
alto demais e quase insuportável. Quem, então, não puder se despir para a luz
que se cubra ainda mais: margaritas ante
porcum[vii]. É
mais fácil permanecer acomodado, para que olhar as pérolas?
Voltando à problemática dos homens terem de
explicar aos seus iguais sobre os primórdios da raça, de criar a primeira
história, convém lembrar que teriam que relatar tradições impossíveis de serem
constatadas e que pudessem ser fortemente plantadas no subconsciente dos homens
obscuros da antiguidade. Os mitos são criados dessa forma, para, em seguida,
serem adaptados com fins teocráticos. Primeiro a lenda, depois a cristalização
da crença.
O que me fascina em Voltaire, é a sua
compreensão clara como a água sobre a religião. Sarcástico, irreverente, mas,
acima de tudo, genialmente arguto para o tempo em que viveu. Um mestre da
antevidência. Suas considerações sobre o princípio desconcertam toda e qualquer
manifestação do sectarismo. Vejamos.
“No princípio, criou Deus o céu e a Terra...”.
Foi a construção que se propôs. Não há homem algum erudito que ignore o texto:
“No começo, os deuses fizeram, ou os
deuses fez o céu e a Terra”. Aliás,
essa lição vai de encontro à velha ideia dos fenícios, os quais pensavam que
Deus tinha o hábito de utilizar deuses inferiores para deslindar o caos, o chautereb.
Há muito, os fenícios integravam um povo
poderoso, com teogonia própria, muito antes dos hebreus chegarem por lá. É,
pois, de natural suposição que, quando os hebreus nômades se estabeleceram na
região, tenham começado a absorver a língua fenícia. É óbvio, então, que os que
escreviam se limitassem apenas a copiar a teologia dos seus senhores,
engessando-se.
“A Terra era sem forma e vazia; havia trevas
sobre a face do abismo e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas...”[viii]. Esse
pensamento já existia nos fragmentos dos fenícios, registrado por
Sanchoniathon, um autor da época. Os fenícios, como os demais povos, criam na
eternidade da matéria, pois nunca se cogitou, entre os antigos, a matéria ser
extraída do nada. Nem na Bíblia existe registro de que a matéria tenha surgido
do nada.
“E disse Deus: Haja luz. E houve luz. E viu
Deus[ix] que
era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à
luz dia e às trevas chamou noite. E foi a tarde e a manhã o dia primeiro”. O
conceito antigo era que a luz não vinha do Sol. Ela era interpretada como algo
meio difuso que impregnava o ar e o Sol somente servia para torná-la um pouco
mais intensa. Quem escreveu o Gênesis também partilhava deste princípio, pois,
na narrativa, o Sol fora criado quatro dias depois da luz... Como se pode
entender a existência de uma manhã e uma tarde antes de existir o Sol? Há uma
conformidade do escritor do Gênesis com os falsos preconceitos da sua nação.
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança...”. A compreensão dos homens antigos era a
mesma, assim como a dos judeus. Só de um corpo pode ser produzida uma imagem,
um deus sem corpo, é inimaginável. Os hebreus concebiam Deus como corpóreo e,
até, os primeiros padres da igreja, enquanto não aderiram às ideias de Platão.
“E criou Deus o homem à sua imagem; à
imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou”. Essa passagem do Gênesis nos
leva a entender que os judeus consideravam Deus e os deuses como machos e
fêmeas[x]. De
repente, o escritor do Gênesis pode ter interpretado que a criação de Adão e
Eva ocorreu no mesmo dia. Seria mais coerente, mas isso se opõe à criação da
mulher, saída da costela do homem, bem depois dos sete dias... É preciso que o
medo seja plantado no homem para que ele creia no mito.
“E havendo Deus acabado no dia sétimo a sua
obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha
feito”[xi]. Os
hindus, fenícios e caldeus diziam que Deus havia criado o mundo em seis tempos,
designados por Zoroastro os seis gahambaris,
famosos entre os persas. Não se pode negar que essas hordas já tinham uma
teologia antes dos hebreus habitarem os desertos do Horeb e do Sinai. Conclui-se,
então, que a história dos seis dias possa ter sido copiada da história dos seis
tempos.
“E formou o Senhor Deus o homem do pó da
terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida...” Essa é uma passagem que
também parece calcada em relatos dos acádios, como por exemplo, “o deus Ea e
Mami, sua adjutora, tomaram quatorze punhados de argila e moldaram sete homens
e sete mulheres, dando origem à humanidade...”.
“E saía um rio do Éden para regar o jardim;
e dali se dividia e se tornava em quatro braços. O nome do primeiro é Pisom:
esse é o que rodeia a terra de Havilá, onde há ouro... E o nome do segundo rio
é Giom: esse é o que rodeia toda a terra de Cusí. E o nome do terceiro rio é
Tigre: esse é o que vai para a banda do Oriente da Assíria. E o quarto rio é o
Eufrates”. Da maneira que aí está, o paraíso conteria em torno de um terço da
África e da Ásia. O Tigre e o Eufrates têm suas nascentes a mais de sessenta
léguas um do outro, em montanhas que, pela fealdade típica, em nada se
assemelham a um jardim de delícias. O rio que margeia a Etiópia, com certeza o
Nilo, começa a mais de setecentas léguas das nascentes do Tigre e do Eufrates.
Isso nos leva a supor que o centro do jardim do Éden estaria situado na atual
Armênia, antiga Urartu, próxima do lago de Van.
“E tomou o Senhor Deus o homem e o pôs no
jardim do Éden para lavrá-lo e guardá-lo”. É bem sugestivo que Adão recebesse
ajuda de outros jardineiros, uma vez que seria impossível o cultivo de mais de
setecentas léguas de extensão... A verdade é que todas as histórias da
antiguidade referentes às origens têm algo em comum, o exagero e o toque de
fábula. Todas essas histórias pretendem a autenticidade e a inspiração divina.
As lendas dos etruscos, fenícios, babilônios, caldeus e hebreus propõem dar ao
homem a mesma coisa, a base para a interpretação da vida. O clero continua a
achar que a humanidade hoje ainda é composta pelos imbecis da antiguidade...
Resultado: para que essas coisas sejam ainda admitidas hoje, é necessário que
os crentes um pouco mais letrados se espremam de vergonha e fiquem vermelhos
como um tomate na hora de afirmar essas baboseiras antigas como crença vigente
em pleno século vinte e um. Mas eles têm uma defesa – a boçalidade na ponta da
língua –, dizem que você apostatou e cuspiu na cruz, não restando mais
sacrifício por tal pecado. Vai para a grelha eterna e virar churrasco depois de
morrer...
As contradições da Bíblia têm início no
primeiro e segundo capítulos do Gênesis. Somente depois do cativeiro da
Babilônia, no século VI a.C., é que o livro da criação foi inserido nos livros
históricos. Faltava o mais importante: a explicação das origens como parte de
um todo coerente e assim foi feito. Codificados os mitos populares, uma vez
recolhidos os fragmentos que se apresentaram sobre o Deus de Israel, mesmo na
falta das explanações sobre o princípio das coisas, conferiram unidade ao povo
judeu. Parafraseando Nietzsche: “E criaram-se umas tais escrituras...”.
A versão do primeiro capítulo do Gênesis é
conhecida como código sacerdotal, com maior peso teológico e vocabulário
sacerdotal. A segunda versão já é oriunda de duas tradições: a jeovista[xii] e a
eloísta[xiii]. Na
primeira, os pássaros e as bestas foram criados antes do homem. Na segunda,
tudo leva a crer que o homem foi criado antes dos pássaros e das bestas. Na
primeira, subentende-se que as aves foram criadas a partir da água. Na segunda,
fica claro que se originaram na terra. Na primeira, Adão e Eva foram criados
juntos. Na segunda, Adão foi criado, depois as bestas e, por fim, Eva. Assim,
temos o início das contradições mesopotâmicas e dos primeiros mitos, tão
evidentes para qualquer um, mas raramente percebidos ou admitidos pela maioria.
A Bíblia diz: “Mas da árvore da ciência, do
bem e do mal, dela não comerás...”. Então, revisitamos o genial Voltaire: “Assim
como existem damasqueiros e pereiras, de que forma imaginar uma árvore que
contém o bem e o mal? Também, quais seriam os motivos que Deus teria para que o
homem se privasse do conhecimento do bem e do mal? Não seria, porventura,
lógico da parte de Deus e útil ao homem permitir o conhecimento?”. Bem, as
coisas do jeito que ficaram nos deixam divisas. O que realmente pode alcançar
força literária com repercussão eterna, sem sombra de dúvida, é a criação mais
forte possível dos modelos para a imaginação. O relato da tradição, repetido
por gerações, tende a adquirir o cunho sacrossanto.
“Ora, a serpente era mais astuta que todas
as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha feito. E essa disse à mulher: É
assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher
à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos; mas do fruto que está no
meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não
morrais. Então, a serpente disse à mulher: De certo não morrereis. Porque Deus
sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como
Deus, sabendo o bem e o mal”. Em todo o texto não se faz a menor menção ao
Diabo, pois tudo está contido no aspecto físico e a serpente era vista como o
mais astuto entre os animais da terra. Existia uma fábula dos caldeus sobre uma
disputa entre Deus e a serpente, citada, inclusive, no Livro Sexto de Orígenes.
Eva não ficou admirada pelo fato da serpente lhe falar, já que em todas as
tradições antigas os animais falavam. Tudo isso é tão físico, sem alegoria, que
atinamos o motivo pelo qual a serpente rasteja desde então, o fato da serpente
procurar morder-nos e de nós sempre procurarmos esmagá-la. Tanto é que Deus
amaldiçoou a serpente mais do que todas as bestas e ordenou-a que rastejasse
sobre o ventre pelo resto dos seus dias. Fica claro, mais uma vez, a corporificação
dos entes entre os hebreus.
“E
fez o Senhor Deus a Adão e à sua mulher túnicas de peles, e os vestiu”. Aí está
a prova de que os hebreus presumiam um Deus corpóreo e com talento de alfaiate.
O tal Eliezer, rabino por escolha, deixou escrito que Deus cobrira Adão e Eva
com a pele da própria serpente que os tentara... Orígenes chegou a pretender
que essa túnica de pele sugeria uma nova carne, um novo corpo feito por Deus
para o homem. Se o rabino e Orígenes tivessem vivido na época da invenção do
livro de Gênesis, criativos como eram, certamente teríamos este acréscimo ao livro.
“Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem
é como um de nós, sabendo o bem e o mal...” Os hebreus tinham inclinação a
adorar numerosos deuses e isso sempre foi um fraco entre eles, apesar da ira de
Yahweh. Alguns teólogos interpretam a expressão um de nós como sendo a Trindade, mas é fora de dúvida que a Bíblia
não explicita a questão da Trindade, acrescentada mais tarde ao livro. Ela não
representa um bloco de vários deuses, mas significa o próprio Deus trino. Os
hebreus, até então, nunca tinham ouvido falar de qualquer entidade tripartível.
Talvez os hebreus decodificassem a expressão um de nós como sendo os anjos que serviam a Eloim. Há, até mesmo,
os que suspeitam de um diálogo entre o bem e o mal. E a metafísica se espalhou.
Se lançarmos um olhar através do mito
adâmico, nosso primeiro ancestral teria vivido novecentos e trinta anos. O
homem teria sido criado do barro em torno de seis a sete mil anos. Seria crível
para os religiosos se não houvesse tantas provas (sem querer datar os Australopithecus e, até mesmo, o Homo habilis) da descoberta de dezenas
de esqueletos fósseis nas grutas do Monte Carmelo, com datação de quarenta e
cinco mil anos! Esqueletos pertencentes a um tipo humano em franca evolução com
variações entre o Homo neaderthalensis e
o Homo sapiens, que seria
classificado de maneira plausível como o Homo
sapiens mediterranensis.
“O Senhor Deus, pois, o lançou fora do
jardim do Éden, para lavrar a terra de que fora tomado...” Curiosamente, mais
uma vez, a tendência à corporificação das coisas: com a punição, também houve a
mudança da atividade de jardineiro para lavrador...
“Viram os filhos de Deus que as filhas dos
homens eram formosas, e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram...
Naqueles dias havia gigantes na Terra, e também depois, quando os filhos de
Deus entraram às filhas dos homens, e delas geraram filhos; esses eram os
valentes que houve na antiguidade, os varões de fama”. Alegoria comum dos povos
antigos. Excluindo a China, não houve uma nação sem que os deuses não tenham
possuído e engravidado as moças daqui da Terra. Corporificavam-se e pronto! É
lógico que escolhiam as mais bonitas, ficando clara a analogia de sentimentos dos
humanos com os deuses. Nesse processo, pudemos ter uma bela safra de filhos
privilegiados, híbridos, estabelecendo-se a primeira discriminação racial no
nosso planeta.
Voltaire é indiscutível: há os tempos históricos,
fabulosos, mas na história deveria haver uma distinção mais apreensível entre
verdades e fábulas. O filósofo não se referia às fábulas entendidas como tal,
mas àquelas que fazem parte dos fatos admitidos...
A origem de todos os povos está impregnada
de fábulas. Pelo simples fato do homem ter vivido por longos períodos em grupo,
tendo que aprender a fazer pão, tecer o vestuário e outras coisas práticas,
para depois aprender a transmitir os pensamentos aos seus sucessores. A arte da
escrita não tem mais de seis mil anos entre os chineses e os povos da
Mesopotâmia, com certeza, ainda não dominavam os princípios dessa arte.
A história dos primórdios, sem sombra de
dúvida, foi passada de geração para geração através das narrativas orais. Cada
povo primitivo, então, com zelo paranoico, muita criatividade, resolveu
apresentar aos seus iguais a própria história e, como não poderia deixar de ser,
a história do mundo inteiro.
O que pode haver de mais fantasioso dentro
das escrituras do que a história do dilúvio universal? O que é milagre, ou
fábula, não pode ser visto através das leis físicas. Por isso, desde séculos,
Voltaire é odiado e rebaixado por muitos da condição de filósofo para a de um
simples cronista. Simplesmente, porque ele se empenha em tornar a verdade
perceptível. A verdade vale não na medida em que representa valor conferido
pelos homens, mas na medida da sua existência como realidade tangível, a
verdade em si. Não é como valor que passa a ser verdadeira, mas como fato
efetivo, pois apenas constitui valor para quem a ama, embora para quem não a
ame constitua realidade inteligível.
Assim, o filósofo expõe que todos os fatos
relacionados com o dilúvio são milagrosos. Os quarenta dias de tempestade que
hipoteticamente inundaram as quatro partes do mundo, fazendo com que as águas
subissem quinze côvados sobre as mais altas montanhas; os animais que
compareceram diante de Noé, vindos de todas as partes do mundo; a provisão de
alimentos para a bicharada durante tanto tempo; o fato fantástico dos bichos
encontrarem comida logo que saíram da arca; de não terem se devorado durante o
sacolejo do barco na tormenta e tantos outros incidentes da viagem... Qualquer
milagre proposto precisa, antes, ter bases que inspirem a verdade admitida.
Ora, não dá para ensaiar nenhum tipo de
explicação para a coisa mais miraculosa da Terra, digo, da água. É um desses
mistérios só justificáveis pela fé inadequada, que gera um milagre ainda maior:
o feito de se acreditar naquilo em que a razão não tem chance de expor com um
mínimo de coerência. Por exemplo, todos os milagres que Jesus teria operado, na
compreensão cristã, guardam relação com a verdade admitida. É a admissibilidade
do fato de natureza não contestada. Mas isto também beira os sofismas.
A maioria dos povos, quanto ao relato das
suas origens, não abre mão da sua própria novela de inundação que destruiu o
mundo, o ciclo representativo que faz o renascimento relacionado com a
agricultura. A água inunda a Terra, destrói tudo e, em seguida, brota uma folha
verde espalhando a vegetação que simboliza o recomeço da humanidade. Não é de
se estranhar, já que a Bíblia foi escrita por povos agrícolas. A interpretação
atual do dilúvio é a atribuição a várias inundações, tendo como causa as cheias
consecutivas do Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia. Um dilúvio parcial e não
universal. Mesmo porque, há indícios de inundações violentas através de
registros geológicos dos tells[xiv], que
apontam para as catástrofes diluvianas.
Leonard Woolley[xv], ao
realizar escavações na Caldeia, ficou convencido de ter encontrado indícios do
dilúvio bíblico. Descobriu sepulturas reais, verdadeiros tesouros, mas à medida
que prosseguiu nas escavações, em sítios mais altos, concluiu que a água não
chegara a tais alturas. Deduziu, assim, que toda aquela região mesopotâmica
sofreu intensas inundações, que alteraram todo o vale do Tigre e do Eufrates, o
que veio confirmar uma situação de dilúvio parcial. Bem diferente do que os
sobreviventes da Mesopotâmia imaginavam: o que seria a destruição completa de
tudo. Dali em diante, a história do dilúvio universal, de geração em geração,
passou a ter um cunho mitológico e, por fim, religioso.
Uma arca com apenas uma janela. Os
vagalhões chicoteavam o barco por todos os lados. Como os animais ficaram
organizados e contidos? Com uma janelinha para respirar? De um côvado[xvi], na
verdade, nenhuma possibilidade para qualquer bicho respirar.
“E de tudo o que vive, de toda a carne,
dois de cada espécie, meterás na arca, para os conservares vivos contigo; macho
e fêmea serão”. Minha conclusão é que isto se trata de uma grande facécia feita
pela Igreja com o povo sem letras. Aliás, a ilusão é o orgasmo dos ingênuos. No
mesmo capítulo da Bíblia, dois animais de cada espécie seguem em direção à arca,
enviados pelo Criador. Ele, então, recomenda que Noé junte toda a comida
possível para que lhes sirva de mantimento. Agora, que tipo de comida? Carne
também? Por quarenta dias e quarenta noites? Cala-te incréu! Bichos em tal
situação seriam santos, jejuariam! Nada de encher o estômago no balanço das
ondas. Você comeria durante o dilúvio?
As escrituras declaram que foram todos os
tipos de animais viventes. Quanto aos insetos? Foram criados depois, ou já
existiam? Como foram colocados milhões de espécies de insetos na arca? As
pulgas foram para os cachorros? Os carrapatos para os bois? E com o sacolejo,
será que os elefantes não pisavam nas baratas? Poupem-me os deuses de pensar
nos insetos... Voltemos aos mamíferos, já que somente a girafa era privilegiada
de poder alcançar e respirar através da janela de um côvado. O pior é que a
janela permanecia fechada, causando odores, pois “aconteceu que, ao cabo de
quarenta dias; abriu Noé a janela da arca que tinha feito”. Como é possível
hoje, época em que o homem pesquisa os componentes do solo de Marte, a Igreja
aterrorizar seus neófitos sob a ameaça de quem não crê nesses mitos possa estar
vazio do espírito de Deus, ou, até mesmo, de ser usado pelo Diabo? É aí que sou
obrigado a rever Nietzsche: “O início das escrituras encerra toda a psicologia
sacerdotal. O sacerdote só teme um perigo: a ciência, a noção salutar de causa
e efeito. Entretanto, a ciência não evolui senão à luz de boas condições; é
preciso tempo, é necessário possuir espírito em excesso para que se alcance a evolução no conhecimento... Portanto,
é necessário tornar o homem infeliz. Essa foi, durante todo o tempo, a lógica
do sacerdote”. Tudo que herdamos do sectarismo é a infelicidade.
“Então, arrependeu-se o Senhor de haver
feito o homem sobre a Terra, e pesou-lhe em seu coração... E disse o Senhor:
Destruirei de sobre a face da Terra o homem que criei, desde o homem até ao
animal, até ao réptil, e até a ave dos céus; porque me arrependo de havê-los
feito”. O que a Igreja pensa sobre a limitação reflexiva dos seus seguidores?
Só os subestima como imbecis, ou lhes confere um mínimo de capacidade de
julgamento em relação a um texto tão paradoxal? Non liquet![xvii].
Como admitir Deus comparado a uma criança
temperamental que monta um intrincado quebra-cabeça e, depois, joga tudo no chão
para fazer outra coisa? Está aí provado como os hebreus reproduziam
sentimentos, reações humanas, depois os projetava em Deus, coisa que só é
análoga à Antiguidade. A visão da Torah, construindo Yahweh...
Por um rompante, Deus deveria tornar-se infiel
a si mesmo? Projeta o homem, a coisa mais conflitante e contraditória, para
torná-lo inviável? Por que, então, pouparia Noé que carregava, como todo humano,
a semente da imperfeição? Para infantilmente se arrepender? Bem, a explicação
seria o amor desmedido...
Enfim, para que o dilúvio, se as coisas
continuariam da mesma maneira? A primeira medida desastrosa do homem após a
lenda do dilúvio, supostamente, foi tentar construir uma torre, a de Babel,
para conversar com Deus. De novo a materialização das coisas. Os animais também
foram punidos da mesma maneira que o homem, ou seja, afogados. Ainda bem que os
casais foram logo para a arca, fugidos da chuva, para reconstruir toda a fauna
sobre o planeta.
Deve ter sido extremamente difícil para Noé
solucionar o impasse que se seguiu para prover a alimentação dos seus
familiares. O problema da falta de água potável, já que tudo ficara contaminado
e salgado. Comer o que? Pipocas? Nenhuma verdura, legumes, frutas, os peixes
mortos, nada de carne, cadáveres por todo lado, a não ser que devorassem os
bichos exaustos da arca... Não. Muito pouco ético, pois como ficaria o futuro
do mundo? O jeito seria começar a plantar alguma coisa com urgência e esperar
por dias melhores.
O Pentateuco[xviii], como
já é sabido pelos mais esclarecidos, não foi escrito por Moisés. Curioso, por
que nada foi escrito no Egito antigo sobre um homem tão poderoso como Moisés e
seu Êxodo? Tanta conversa e nada registrado fora das escrituras... Como fica o
Moisés histórico?
Há tempos, em certa aula de direito civil na
faculdade, um professor, discorrendo sobre Moisés, disse-me que o legislador
foi obrigado a tapear os hebreus. Moisés, que viveu no Egito, inteirou-se de
todas as práticas do bem-viver da sabedoria copta, mas seria impossível a
aceitação desses princípios pelos judeus. Foi aí que ele, ao retornar do Monte
Sinai, recriou para os hebreus as regras a serem aplicadas na vida, sem revelar
novas facetas e derivações de todos aqueles costumes egípcios como iniciativa
ou adaptações suas. Ao contrário, disse-lhes que eram determinações de Yahweh,
pois assim teriam crédito e aceitação... É possível? Observemos que o
Pentateuco somente foi escrito muito tempo depois dessa época e, para
conferir-lhe força e autoridade, afirmaram a autoria integral de Moisés. Sim,
tudo é possível na fantasia fideísta.
Se na Bíblia existem erros, contradições,
mitos e histórias falsas, como atribuir a um ser infinito a autoria de tudo
isso? Seria mais fácil a atribuição a um ser finito, ou melhor, a milhares de
seres finitos, ao longo de muitos séculos, compondo uma coletânea de livros na
pretensão de conduzir toda a humanidade em direção à teocracia. O desabono
maior, infelizmente, é o fato de a Bíblia ter gerado um mundo de divisões entre
os cristãos, justamente pela imperfeição do seu conteúdo, com o desdobramento
de um oceano de dogmas. A falta de clareza com que foi ordenada, pela
disparidade e estilos irreconciliáveis dos livros que a compõem, não pode ter
sido criada por qualquer ser infinito. Enquanto intenção de dominar os povos,
mais parece obra de teólogos e gerontes[xix]
mal-intencionados.
Vamos e venhamos: se nos dermos ao trabalho
de analisar a fundo todo o processo de cópias das escrituras através dos
séculos, cairemos para trás. Os copistas, no início, não eram profissionais, já
que faziam as cópias nas horas vagas e erravam mais do que bois perdidos no
pasto! Por acidente e por má-fé. Intencionalmente, para justificar a vertente
teológica que lhes conviesse. Não são centenas, são milhares de erros de
tradução, interpretação e falsificação que encontramos nas escrituras. Depois
os erros foram copiados, copiados – recopiados...
Voltemos ao ponto sobre o arrependimento de
Deus por ter criado o homem, em Gênesis capítulo seis, verso seis. Podemos
inferir o processo dos redatores da Bíblia de projetar sobre Yahweh suas
instabilidades, ao outorgar-lhe os deslizes que fazem parte da personalidade
humana. Visavam à remissão dos graves sintomas dos altos e baixos emocionais
que eram transferidos para Deus numa reação inconsciente. Então, exteriorizaram
a natureza humana reprimida pelo processo religioso.
Em Números 23:19, eles escrevem: “Deus não
é homem para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa...”.
Em I
Samuel 15:29, continuam: “E também aquele que é a Força de Israel não mente nem
se arrepende, porquanto não é um homem para que se arrependa...”.
Em
Ezequiel 24:14, prosseguem: “Eu, o Senhor disse: será assim, e o farei; não
tornarei atrás, e não pouparei, nem me arrependerei...”.
Em Tiago 1:17, a contradição se nota de
novo: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das
luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação...”.
Claro está suposto que Deus não muda[xx],
então, por que razão repete-se tanto que Deus se arrependeu de ter criado o
homem? Bem, mas estamos de novo diante das contradições. Em Êxodo 32:14, o
Criador se declara arrependido do mal que dissera que faria ao povo. Em Jonas
3:10, Deus se repete. Em I Samuel 15:35, o Senhor se arrepende de haver
escolhido Saul como rei de Israel. O que é isso? São Jerônimo encerra a questão
quando diz que “a verdade não pode existir em coisas que divergem, mesmo que
tenham elas por si a aprovação dos maus”.
O problema da interpretação se torna grave
a partir da intenção e aplicação religiosa dos textos históricos. A bem da
verdade, felix qui potuit rerum
cognoscere causas[xxi], a
Bíblia é uma coletânea de linguagem tanto figurada como poética, típica da sua
época e que não guarda relação com a história factual. São livros costurados
com lendas e mitos dos judeus, embora permeados de mistérios. A gravidade e o
absurdo são os pratos da balança. Mas lembremo-nos, em tempo, que a fé
permanece irracional.
Quando Ló recebe os dois anjos em sua casa,
fica outro grande exemplo de corporificação das coisas. Os anjos jantaram com
ele e até comeram bolos cozidos. Houve o anúncio da destruição de Sodoma e
Gomorra, terminando com a salinação da sua mulher[xxii].
Entretanto, o que mais me chama a atenção no texto é a ideia dos judeus na
preservação da própria raça de forma obsessiva e inconsequente. Presunçosos
varridos! Em Gênesis 19:32, na falta de homens que pudessem fazer a cópula com
as filhas de Ló, elas resolvem dormir com o velho pai para conceber dele e dar
continuidade à sua semente. Embebedaram-lhe com vinho e pronto. Diz a Bíblia
que Ló, de tão bêbado, jamais as vira deitarem-se nem se levantarem ao seu
lado. E aconteceu o inevitável: nasceram duas crianças. Lindo! Os judeus garantiram-se
na perpetuação étnica. A ideia doentia de criar uma nação através de uma etnia,
de uma historia suspeita com base exclusiva na Torah, quando se sabe
perfeitamente que o “povo” judeu foi uma invenção megatendenciosa a partir de
grupos autóctones da Mesopotâmia, aglutinados, que resolveram se autodenominar
de “povo de Deus”... Ora, para que se confira força a qualquer texto, é
necessária a criação de ilustrações fortes e polêmicas para alimentar a
imaginação. Assim, deu-se a invenção do povo judeu.
O dia em que, estupefato, perguntei a um
pastor desses que andam por aí sobre tamanha disparidade, fui informado que
Deus tudo pode purificar. Assim, tudo é possível. Por essas e outras, sou partidário
de Napoleão que tinha o hábito de introduzir os seus prelados onde quer que lhe
fosse conveniente. O povo fanático merece a chibata nas costelas enquanto o
mundo perdurar.
Se a verdade não pode existir em coisas que
divergem, por que tantas divergências na Bíblia? Se representar a palavra de
Deus não pode haver mentiras (pacto ou aprovação às mesmas), logo divergente,
não pode ser a palavra de Deus, pois se supõe que Deus não minta, já que não é
humano. Na essência das escrituras, a mentira é incompatível com o santo.
Em Isaías 45:7, vemos algo discutível dito
por Deus: “Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz e crio o mal...”
Muito bem, se o Diabo é o autor do mal, quem criou o Diabo? Pelo menos, quem
permitiu que o mal existisse? “Crio o mal...”. Analisando, se a mesma natureza
contém o bem e o mal, não há necessidade do mal ser criado, tampouco o bem,
pois o pressuposto é de que já exista, concomitantemente, no mesmo ser desde
sempre. Mas se Deus criou o mal, é porque tinha o conhecimento do mal, o que torna
o mal exterior a Deus. Então, quem permitiu que o mal chegasse a ser criado?
Logo, o Diabo não poderia ser o autor do mal, mas o principal praticante do
mesmo, pois fora um anjo bom segundo a Bíblia. Apenas teria vislumbrado o mal
na forma de cobiça ao pretender ser igual a Deus, o que não quer dizer que seja
o autor do mal, porque o mesmo já existia. Fica somente com Deus a
possibilidade da criação do mal. Se a mentira é parte do mal e até sua própria
essência, a existência da mesma foi, então, permitida por Deus. Assim, de
acordo com a Bíblia, a primeira mentira foi proferida pelo mal na forma de
serpente, porque estava disponível tanto para a serpente como para o homem.
Nem todos os homens creem que Deus exista,
mas todos sabem da existência do mal. Se Deus faz a paz e cria o mal, então o
Diabo passou a ser necessário para colocar o mal em prática, o que nos leva à
conclusão de que o mal é tão importante quanto o bem. Se o mal, entretanto, for
exterior a Deus, é efeito, mas se Deus detém o mal na sua natureza, Ele é
bipartido e o mal passa a ser incriado, pois é também Deus. Assim, o mal é
perene. Para o bem ser entendido como tal, o mal é necessário e um só existe em
função do outro. Para que o bem, se não houver o mal? Assim, já que os dois são
imprescindíveis, prevalece a figura teratópaga[xxiii]
inevitável: o tronco vai gerar figuras díspares e intrinsecamente necessárias.
Pode um deus provável que sempre teria existido como a causa de si mesmo promover
o equilíbrio entre o bem e o mal, segundo as circunstâncias? Que fundamento seria
esse com figuras sempre coexistentes, ab
aeterno, inserido num projeto divino supostamente antropocêntrico? Mas se é
assim, o bem num prato da balança e o mal no outro, por que o prato do mal pesa
mais a cada dia? Explosão demográfica? O mal estaria no Homo sapiens?
Através de outro prisma, temos Bossuet, no
seu Tratado da concupiscência, quando declara que “é necessário que saibamos que
todo o bem vem de Deus e todo o mal, proveniente de nós”. Tendo todo o bem nos
sido ofertado, conservamos para nós a invenção do mal: mea culpa, mea maxima culpa[xxiv]. Contudo,
ao admitirmos nossa culpa pela invenção do mal, permanece a pergunta que não
quer silenciar: se o mal já existia antes de nós, quem foi o autor do mal? Ou o
mal sempre existiu? Ou coexistiu?
Na hipótese de Deus haver reunido em sua própria
natureza o bem e o mal, não nos resta alternativa senão olharmos na direção do gigantesco
problema proposto pela aleatoriedade. Tentarmos, assim, compreender a cadeia do
reino animal. Aceitar a vida como verdade ôntica, revisitando Schopenhauer na
sua máxima “nós fomos condenados à vida...”. A existência fica vazia de sentido
fora de si mesma, pois ninguém, como prisioneiro do próprio eu, pode escolher o
ser si mesmo. Condenado não escolhe nada.
De retorno ao Pentateuco, Moisés teria
subido o Monte Sinai e lá permanecido por quarenta dias. Segundo as escrituras,
ele recebeu todas as orientações das leis de Yahweh e as tábuas de pedra
contendo os Dez Mandamentos. Durante esse período, o povo se cansou de esperar
e clamou ao seu irmão Arão, então sumo sacerdote, para que criasse novos deuses
com o fim de serem adorados. Desse jeito, Arão viu-se cobrado pelo povo e
ordenou que todas as mulheres lhe entregassem os brincos de ouro para que
pudesse fundir a imagem de um bezerro-deus[xxv]. Assim,
puseram-se à orgia. Moisés, ao descer do monte, contemplando tal festim, teria
arremessado com furor as tábuas ao pé do monte. Antes, porém, diante da ira de
Deus, Moisés já havia lhe pedido, em Êxodo 32:11-12, que se arrependesse de
praticar o mal contra o povo. O Senhor, então, ouviu Moisés, perdoando o povo e
se arrependendo do mal que pretendia fazer – Êxodo 32:14.
Logo em seguida, em Êxodo 32:27-28, foi
Moisés quem mudou de ideia: concitou os filhos de Levi a matar pelo fio da espada,
em nome de Deus, três mil hebreus aproximadamente! A manipulação religiosa
atingiu o seu ápice: o grande legislador poupou a vida do arquiteto do bezerro
de ouro, seu irmão Arão (que desfrutava de certo tipo de imunidade diplomática entre
os hebreus), e ainda teve o desbriamento de pedir as bênçãos de Yahweh para os
matadores do povo. A primeira quebra do mandamento “não matarás”.
Esse fato difere da simples mentira de um
servo de Deus, como no caso de Abraão e Sara em Gênesis 12:10-20. O texto
relata o medo no coração de Abraão quando vai para o Egito e teme que sua
mulher seja cobiçada pelos egípcios, pois era muito bela. Sobreveio a Abraão o
temor de ser morto e de se apossarem de sua mulher. Ele, então, pediu a Sara
que se declarasse sua irmã e não esposa. E aconteceu que ela foi tomada para o
palácio do faraó. Abraão recebeu em troca de sua mulher ovelhas, vacas,
jumentos, camelos e muitos servos por um negócio patético.
Tempos depois, “Deus feriu o faraó” com grandes
pragas por causa da violação de Sara. Estranho, nada houve com Abraão que
mentiu e o pior aconteceu ao faraó que não sabia da verdade... Contudo, a
Bíblia faz o relato da fraqueza de um homem que pretende nos servir de exemplo.
Agora, a outra história de Moisés que exemplo nos lega? É um episódio que deixa
certeza de fraude textual e tem como finalidade a manipulação religiosa. Para santo
Agostinho, Moisés era um herói. Entretanto, olhemos para a época em que viveu.
Sua apologia da Bíblia foi típica daquele tempo. Séculos se passaram e hoje é
impossível ver as escrituras como Agostinho. Insistir no contrário é incorrer
no erro do ditado popular “pior cego é o que não quer ver”.
Meu ponto de vista é inconcusso sobre o
fato de muito dos relatos bíblicos serem incongruentes. Quisera não fosse assim,
pois ainda esperaria pelas quimeras religiosas de outrora, com a vantagem da
feliz estupidez dos que desfrutam dos arroubos do espírito. A feliz estupidez,
de certo, é o produto da alienação, enquanto que o peso do conhecimento é
factual. Mas, quem, de posse da epistêmê[xxvi], escolheria as águas turvas do
obscurantismo?
Por feliz estupidez, pode-se descrever a
proximidade do estado do sensus communis,
não como scientia media[xxvii], mas
como o estado médio entre a estupidez e a agudeza de espírito, não muito longe
da condição de parvidade que é própria dos obscuros.
Esse estado médio contém o solo adequado
para a fertilização sectária. Em Ezequiel 4:12, encontramos Yahweh ordenando ao
próprio profeta que se alimentasse de pães cozidos com fezes humanas... Diante
da reação de Ezequiel, Deus reconsiderou e permitiu que fossem trocadas as
fezes humanas pelas de boi. E assim foi. Menos enjoativo na ingesta sem
tempero...
É preciso que se explore a vaidade do senso
comum para implantar as supostas verdades admitidas no iletrado. É no estado
médio que o teólogo doloso conclui o seu feito: o ethos da porneia dogmática injuntiva.
Tudo isso soa estranho ao que se pode
associar com a palavra Deus. Desde coisas como os pães cozidos em excrementos,
aos atos de vingança determinados por Yahweh, através dos seus servos do Antigo Testamento. Pessoas
executadas, decapitadas, para servirem de exemplo ao povo idólatra. Animais
imolados em profusão para agradar, em “cheiro suave”, ao Deus de Israel e outras
coisas estranhas que são impedidas de questionamento pela Igreja. Imolar seres?
É preciso que haja uma profunda reflexão sobre o livro que rege a religião
judeo-cristã. A religião do medo, da maxima
culpa. A religião do deus do sofrimento e da vingança.
A Torah[xxviii],
conhecida por nós como Pentateuco, é composta pelos textos jeovistas[xxix]
(escritos no século IX a.C.) e os textos eloístas[xxx]
(escritos por volta do século VIII aC.); o Deuteronômio (século VII aC.) e,
ainda, os textos sacerdotais (século V aC.). A compilação desses textos
estima-se que tenha se dado em torno de 400 aC. pelo profeta Esdras. Durante
esse tempo, milhares de alterações foram feitas na Bíblia. Que esforço
admiravelmente persuasório, o de criar a história da origem do mundo muito
tempo depois do próprio Êxodo ser escrito. O livro de Gênesis só foi
acrescentado aos livros históricos no século VI aC., depois do cativeiro da
Babilônia! As escrituras já tinham um formato e fazia-se necessária uma
história da criação do mundo o mais depressa possível... Ora, o princípio de
tudo estava tão longe dos hebreus da época que foi preciso criar uma explicação
impossível de ser constatada. Para tal, o único meio literário possível de ser
aplicado era o do exagero e das fantasias. Uma coisa é fato consumado: as
fantasias não incomodam a ninguém. É como Papai Noel. O máximo que pode
acontecer é ele não descer pela chaminé com os presentes, mas fica sempre uma
ilusão para nutrir o espírito. A religião é assim, a gente finge que acredita
para poder ser premiado com a sensação de paz e vida eterna.
Os autores da Bíblia escreveram muitos
textos centralizados na questão dos sacrifícios de sangue. Os animais eram
sacrificados sobre um rochedo ou na base do mesmo; sobre o masseboth[xxxi] ou um
altar de pedras. A dúvida permanece: por que um Deus tão poderoso, criador do
universo e autor do amor, exigiria o sangue da sua própria criação? Os pecados
do homem, então, podem ser transferidos aos animais. Realmente, Deus mancharia
seu altar com o sangue de pombas, cordeiros e bois? Poderia ser o cheiro de
carne queimada uma coisa santa? Tenho que me ver carnal ou herege por
questionar tal coisa, o devir de Redenção pelo sangue?
Moisés, por ordem de Yahweh, teria
legislado sobre o povo hebreu, recebendo a linha reguladora na direção da sabedoria
da existência. Porém, é muito pouco provável que tenha existido um
revolucionário dos mais elevados, um líder tão significativo, criado pela filha
do faraó, sem nenhum registro no antigo Egito sobre o tal Moisés. Não há
nenhuma prova do Moisés histórico, ou de que ele tenha escrito o Pentateuco.
Mesmo porque, muitas são as divergências dentro do mesmo.
Em Êxodo 20:5, vemos: “Porque eu, o Senhor
teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até a
terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem”. Deuteronômio 24:16, diz:
“Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada qual morrerá
pelo seu pecado”.
Em Números 12:3: “E era o varão Moisés mui
manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra”. Em Números 31:17,
Moisés ordena: “Agora, pois, matai todo o varão entre as crianças, e matai toda
a mulher que conheceu algum homem, deitando-se com ele”.
Em Êxodo 33:11, vemos: “E falava o Senhor a
Moisés cara a cara, como qualquer fala com o seu amigo...”. Em Êxodo 33:20:
“...Não poderás ver a minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face e
viverá”.
Não pretendo enumerar as divergências da
Bíblia, apenas considero a possibilidade da existência de mais contradições nas
escrituras do que a coerência harmônica de textos com sequências de “verdades
confirmadas”. Se meu propósito fosse enumerar as divergências, este livro não
ficaria pronto nem em cinco anos de pesquisas. Contudo, quero insistir na
intenção dos ensinamentos nela contidos e que, realmente, existe na Bíblia a
magnitude do bem. É certo que a Bíblia deveria ser exclusivamente um livro
histórico, mas pena que fizeram dela um livro para uso teocrático.
Conforme Voltaire, muitos pesquisadores
concluíram que o Pentateuco jamais fora escrito por Moisés. O primeiro volume
do Pentateuco foi devidamente compilado no tempo do rei Josias e, esse volume
único, entregue ao rei pelo seu secretário Safan. Vejam, entre a vida de Moisés
e esse fato podem mediar 1167 anos, pelos cálculos dos hebreus. Yahweh teria
falado a Moisés na sarça ardente no ano do mundo 2213 e Safan publicou o livro
no ano do mundo 3380...
Se o legislador Moisés tivesse realmente
escrito o Levítico, haveria contradição no Deuteronômio? O Levítico proíbe o
matrimônio com a mulher do irmão, já o Deuteronômio ordena-o. Moisés teria
atribuído quarenta e oito cidades aos levitas numa região onde jamais houve dez
cidades, ou num deserto onde vagou sem ter sequer uma casa? Moisés teria
estabelecido regras para os reis hebreus, quando os reis ainda não existiam?
Esses reis só viriam quinhentos anos depois e ele nada disse sobre os juízes
que lhe sucederam! Isso não deixa, porventura, a suspeita de o livro ter sido
montado na época dos reis? Mas eruditos e curiosos devem se calar quando fala a
Igreja. Por essas e outras é que considero a canonização como o maior estupro
da inteligência humana!
Tentar produzir explicações científicas
(algumas são possíveis) sobre as pragas, os castigos hipoteticamente lançados
por Deus sobre o faraó e os egípcios é tão sem lógica quanto inconsistente. A
combustão espontânea da sarça ardente carregada de seiva com essências
voláteis... O maná era uma secreção que surgia nas tamareiras do deserto do
Sinai, produzida pelos insetos najacocus
serpentinus e trebutina mannipara.
As codornizes já tinham o deserto como rota de migração. A água que saía da
rocha, por ser um tipo de pedra porosa, sempre com a formação de uma casca que
envolvia água acumulada, etc. O mais estranho, porém, é o feito de Moisés abrir
o Mar Vermelho com o cajado. Ora, o fundo de qualquer mar ou é completamente
acidentado por rochedos, recifes, corais, ou é extremamente atolante, pelo fato
da areia mole. Então, como carros egípcios e cavalos conseguem chegar até o
meio do Mar Vermelho? Depois o mar se fecha sobre eles. O que é isso, um conto
dos irmãos Grimm? Tudo bem que a Igreja usasse esses meios dissuasórios na
Idade Média, mas hoje...
Vivemos uma época de mudanças culturais
aceleradas e estamos conscientes de que não cabem mais essas bobagens
literárias que povoaram a cabeça dos homens medievos.
Meu compromisso não é mais com a religião
institucionalizada, nem com livros “santos”, tampouco com doutrinas e dogmas,
mas é com a verdade. É a ela que temo, é diante dela que recuo, às vezes, como
todos os homens. É ela que me expõe; desestabiliza, mas é a ela que amo, busco
e deposito a única esperança de ser.
Não há vestígios arqueológicos da
existência de Moisés, nem tampouco do Jesus histórico. É construir e crer. O
pior disso tudo é chegar ao problema da existência conceitual de Jesus... Existência
conceitual: desolador, vazio, sem esperança. Que se enfrente a existência
biológica – aqui –, o tudo que temos.
A rigor, não existe nenhuma prova da existência
de Deus. Tomás de Aquino[xxxii]
chegou a postulados de brilho para a época, mas o homem não tem prova
científica alguma da existência de Deus. Já propusemos que Deus não se
compreende em vias da razão, apenas se intui. Dentro da expectativa religiosa,
é óbvio.
Alguns teomaníacos já me acusaram de ser um
coitado qualquer por não ter alcançado a intimidade com Deus. Existem lunáticos
que alegam ser íntimos de Deus... Até um deles, velho conhecido meu, crédulo, com
traços profundos de retardo, imagina que é escritor inspirado por Deus, mas o coitado
só se expressa através de galimatias[xxxiii] e de fantochadas.
Tolo sonhador, pois assume ter “conchavo com Deus...”. Acontece que só o asno e
o paranoico acham que têm conluio com o Eterno.
Assim, os escritores do Pentateuco montaram
um conchavo entre Moisés e Yahweh. Atualmente, a Marvel Comics nos brinda com Batman,
Superman, Hulk, Spiderman, etc. Ontem, os hebreus nos brindaram com o
grande Moisés. A necessidade de heróis, em que o classicismo grego nos forneceu
os maiores exemplos, continua até os dias de hoje.
A construção da Bíblia foi o melhor marketing religioso já feito, só que a Igreja
não contava com o desenvolvimento das ideias do Ocidente e a Bíblia deixou de
ser absoluta para os religiosos mais esclarecidos. O maior problema foi o ato
leviano de milhares de copistas que inseriram tantas aventuras e mitos em
livros tão diferentes. Isso despertou dúvidas nos últimos tempos, já que se
mostrou a criatividade do homem como especialista na elaboração de livros
santos.
Os super-heróis continuaram. Surgiu Sansão.
Pena que não souberam dar um toque de disfarce na história para não ficar tão
desconcertante. O homem era muito forte, mas a queixada do jumento, já no osso,
tinha lá suas fragilidades físicas... Como o crânio de um burro poderia
suportar a capacidade de ferir mil homens, talvez até com armaduras de ferro?
Só Deus sabe.
Jó simboliza outro tipo de herói, o da
resistência. Nada há de mais desconcertante na Bíblia do que a história de Jó.
Do que o diálogo entre Deus e Satanás. Em Jó 1:7-8, o Senhor indaga ao Diabo:
“De onde vens?”. Satanás respondeu ao Senhor e disse: “De rodear a terra e
passear por ela”. Assim trava-se um desafio e Jó é penalizado por ser um homem
sereno que vivia com o máximo senso de retidão. Que tipo judaico de
vaidade-deífica é essa? Como não poderia deixar de ser, novamente, a projeção
da visão terrena do povo hebreu, do argumento da aceitação comum[xxxiv], que,
no caso, deixa claro que tudo é um jogo de poderes e conflito de interesses no
materialismo judaico. É, pois, no argumento da aceitação comum que está o ópio
dos parvos. Do povo, das parvoíces e crendices.
Por que os sectários insistem em ler a
Bíblia de olhos vendados? Simplesmente, porque são talhados para isso pelo
clero. Então, afigura-se o postulado: “A incubação do medo é o instrumento de
trabalho do sacerdote”. Parece que não, mas funciona...
Por outro lado, é preciso que o medo seja
infundido como controle social e refreamento dos desejos, pois qualquer parâmetro
controlador só pode obter resultados quando insere algum poder em seu núcleo.
No caso, o poder do clero amparado pelo lado desconhecido da invenção. Após a
incubação do medo, finalmente, pede-se que sobrevenha a suavização da
consciência. Essa é a missão do sacerdote, quando bromista, na harmonização
da fé laboratorial através da técnica da confissão.
Enquanto a razão tentou dissecar Deus totalmente
em vão, a ignorância encontrou a ilusão de Deus. A falta de respostas, então,
desenvolveu a fé. A partir daí, essa ignorância fabricou um deus do sexo
masculino, com um disfarce humano, sujeito às mesmas emoções do homem: arrependimento,
amor, ira e compaixão... Desde o início, essa foi a melhor maneira que os
antigos hebreus encontraram para dominar os seus iguais, a criação de um deus
com sentimentos humanos. A mitologia grega o fez muito bem.
Em certo aspecto, a montagem da Bíblia
criou uma vaidade competitiva no íntimo dos cristãos. Sentimento que produziu
concorrência duvidosa, colocando cada um no estado de certeza de ser o detentor
da interpretação correta da Bíblia. Isto é reivindicado pelos cristãos mais
sectários, já que os pobres discriminados vizinhos irmãos das demais seitas não
conseguiram atingir a plenitude do conhecimento de Deus... Mas espera-se que
sejam esclarecidos e, por ora, merecem intercessões perante o Senhor. Pietistas
untados de dolo!
Por outro lado, a Bíblia diz que fomos
criados imagem e semelhança de Deus, o que, lógico, inverteria este processo, o
de aceitarmos as circunstâncias bíblicas de forma indiscutível. Não é propósito
deste livro a exposição das contradições da Bíblia, mas torna-se impossível
discorrer sobre um assunto desconfortável sem abordá-lo diretamente, sem
imiscuir-se nas muitas nuances de desapontamento que o tema abriga.
Em João 3:13, vemos que ninguém subiu ao
céu, exceto o que desceu do céu. Em II Reis 2:11, já ocorre o oposto, o profeta
Elias subiu ao céu num carro de fogo.
Em Atos 22:9, na conversão de Saulo, os que
o acompanhavam viram a luz. Em Atos 9:7, os mesmos já não viram.
Em Jeremias 13:14, Deus não perdoa, não
poupa e, tampouco, tem compaixão. Em I Samuel 15:13, Deus manda matar homens,
mulheres, meninos e crianças de peito. Em Tiago 5:11, o Senhor é pleno de amor
e misericórdia. Em Salmos 145:9, o Senhor é bom para todos os homens.
Em Deuteronômio 27:15, Deus amaldiçoa
qualquer homem que fizer imagens de escultura. Em Êxodo 20:4, a mesma coisa. Em
Levítico 26:1, os ídolos são proibidos. Em Jeremias 8:19, Deus fala da ira
provocada pelas imagens esculpidas. Mas, em I Reis 7:28-29, fala-se de
querubins, bois e leões esculpidos a mando de Deus. Em Êxodo 25:18, o Senhor
ordena que sejam feitos dois querubins de ouro batido nas extremidades do
propiciatório. Em Números 21:8, Deus manda Moisés esculpir uma serpente para
colocá-la sobre uma haste. Será que os hebreus deixavam de adorar essas figuras permitidas? Será que existiam esculturas
que podiam ser adoradas e outras não? Quer dizer que bois podiam ser
esculpidos, mas bezerros não? Alguma influência do boi Ápis?[xxxv]
Em II Reis 24:18, Zedequias tinha vinte e
um anos quando começou a reinar. Em II Crônicas 36:11, vinte e cinco anos no
início do seu reinado.
Em Joel 3:9-10, Deus manda santificar uma
guerra, preparar espadas e lanças. Em Êxodo 15:3, Moisés diz que o Senhor é um
guerreiro. Porém, em Romanos 15:33, fala-se do Deus de paz. Em Isaías 2:4, as
espadas serão convertidas em arados e as lanças em podadeiras.
Em Eclesiastes 1:18, vemos que a sabedoria
produz enfado e quanto mais conhecimento, mais tristeza. Já em Provérbios 4:7,
a sabedoria é suprema e deve ser adquirida.
Em II Samuel 24:1, o Senhor incitou a Davi.
Em I Crônicas 21:1, foi Satanás quem incitou a Davi.
Em II Crônicas 9:25, Salomão tinha quatro
mil estrebarias para os cavalos. Em I Reis 4:26, Salomão tinha quarenta mil
estrebarias.
Em II Crônicas 8:10, Salomão tinha duzentos
e cinquenta chefes oficiais. Em I Reis 9:23, eram quinhentos e cinquenta.
Em Tiago 5:12, não se pode jurar nem pelo
céu, nem pela terra. Em Mateus 5:34-35, de jeito nenhum o juramento é
permitido. Agora, em Deuteronômio 10:20, deve-se jurar em nome do Senhor. Em
Gênesis 31:53, Jacó jurou pelo temor de seu pai. Em Hebreus 6:16, os homens juram
por quem lhes é superior.
Em Lucas 3:23, o pai de José, marido de
Maria, foi Heli. Mateus 1:16, já diz que o pai de José foi Jacó.
Em I Samuel 31:4, Saul se suicidou. Em II
Samuel 1:6-10, há o relato de que Saul foi morto por um jovem.
Em II Crônicas 36:1, Jeoacaz era filho de
Josias. Em Jeremias 22:11, Salum é que era o filho do rei Josias.
Em João 14:28, Jesus declara que vai para o
Pai e o Pai é maior do que Ele. Em João 10:30, Jesus declara ser um com o Pai.
Apenas alguns trechos contraditórios da Bíblia
foram expostos aqui e não são mais necessários prolongamentos. Minha finalidade
está longe de ser a desmistificação das escrituras, mas desjungir o homem dos mitos
eclesiásticos que levam ao desequilíbrio mental.
Os mais radicais apologizam a Bíblia como
palavra de Deus pura e simples. Os que pretendem ser menos alienados já se
referem como palavra inspirada por Deus. Será que não ficaria melhor palavra
simbólica?... Entretanto, quem determina a questão da inspiração; quem, quando
e onde está inspirado? Qual o grau ou estado de inspiração real? Pode a
inspiração estar fundada numa
relação do homem como copartícipe do Criador? Como se faz prova da inspiração?
A inspiração não pode ser provada, pelo simples fato de Deus também não ter a
sua existência provada. Como se saber inspirado por Deus? O inspirado é um
fantoche ou é conduzido pela vontade própria à espera de lampejos divinos? Ou é
um desses milhares de canalhas recentes que se intitulam apóstolos e
representantes de Deus?A inspiração é algo voltairiano com pirotecnias tais
quais as do Rei Sol? Que tipo de circunlóquio é esse?
Perifraseando: se a inspiração era privilégio dos escritores da Bíblia, então
deveria ser também dos seus tradutores, copistas e intérpretes! Seria a
inspiração o modo de Deus anular a vontade humana para efetuar o registro dos seus
pensamentos? Então, não seria inspiração, seria ditame. E, lógico, a Bíblia nem
poderia ser considerada um dossiê divino, pois para tal, exigiria perfeição, o
que não constatamos. Pasmem, então, meus juízes e algozes, aos que chegaram a
supor ser somente esta a minha visão da Bíblia. Definitivamente, não me
considero um pensador precipitado.
É preciso analisar com muita honestidade,
introspectivamente. Diante de todo o aspecto anacrônico contido na Bíblia, com
toda a tentativa de juntar os livros mais díspares num só para servir aos
propósitos do clero, com toda carga aparente de literatura infanto-juvenil, a Bíblia permanece
com um conteúdo que merece reflexão. Muito do seu conteúdo é estranho e contraditório,
mas é também um indicativo de amor, fé, esperança, perdão e renúncia. A sua
essência, como uma espécie de cuidado na preservação do eterno no homem,
contraria todas as tendências à coisificação do imaculado. A Bíblia causa
confusão, porém exemplifica fatos de alteração comportamental humana, em
sociedade, diante da existência (visualizando-se através de uma abordagem
oculta, subjetiva e individualizada), pela indução ao sacrossanto. Sujeição?
Faxina mental? Paranoia ou virtude? Melhor do que o niilismo.
Presume-se, portanto, que a finalidade da
Bíblia suplante o vazio da falta de propósito do estado de crença inexistente.
Logo, o mais importante não é o oceano de divergências e contradições que as
escrituras contêm, mas o transformativo contido em seu conjunto, passível de interação
com o humano. Perfeito, mas esse argumento nos convenceria na segunda década do
século XXI?
Concluo que temos que deixar de lado as
coisas de menor importância, como por exemplo, o fato de Deus parar o sol para
Josué brincar de guerra, ou seja, para um bando de bárbaros destruírem outro
bando igual de selvagens... Precisamos extrair o que é significativo e profundo
do conteúdo da Bíblia. O que, de fato, pode ajudar o homem que necessita de
religião.
Mas e daí, continuamos a tapar o sol com a
peneira? Século XXI... Quantas mudanças ainda chegarão numa velocidade cada vez
maior? Será mesmo que essa boa intenção injetada na Bíblia vai sobreviver à
realidade que esse mundo esfrega na nossa cara a cada instante? Vai chegar ao
ponto de ser risível a teologia bíblica e, em seguida, completamente preterida
por causa da sua própria construção de interesse teocrático. Seria melhor que o
niilismo? Talvez. Mas o que será da Bíblia daqui a tempos se ela é pura
confusão teológica, disfarçada através dos milênios pelos criadores de ficção?...
[i] Versão
grega dos setenta. O texto completo do Novo Testamento foi escrito por um grupo
de setenta e dois judeus e gregos em Alexandria.
[ii] Também
denominados de apócrifos (falsos) pelos protestantes.
[iii] Do
latim vulgatus (popular).
[iv] Tudo
que tenho levo comigo. Isto significa que o maior tesouro do ser humano é a sua
própria pessoa, a sua inteligência e o seu coração.
[v] Alimento
dos deuses do Olimpo, nove vezes mais doce que o mel e responsável por manter a
eternidade.
[vi] Historiador
francês (1830-1889) que elaborou um método histórico-científico com a sua obra La Cité Antique.
[vii] Pérolas
aos porcos.
[viii]
Neste
segundo versículo de Gênesis, é perceptível a ignorância dos hebreus antigos em
relação à construção de uma fábula de bom senso: levou milhões de anos para que
a terra esfriasse e existisse água. Quando surgiu a água, a terra já tinha
forma.
[ix] Curioso
que, em cada etapa da criação, registra-se nas traduções “... E viu Deus que
era bom”. Isto não cria uma situação de dúvida laboratorial, de risco de experiência?
Como entender tentativas vindas de um ser onipotente?
[x] Como
podemos ser imagem e semelhança de Deus se somos machos e fêmeas?
[xi] É
fascinante a técnica da redundância nas traduções bíblicas... Elas sempre
conferem ao texto um ar fatal de solenidade. É como se a fala partisse de entre
os rochedos do Monte Sinai. Assim, a mídia foi inventada na antiguidade...
[xii] Tradição
jeovista pelo fato de, na região sul (reino de Judá), o Deus de Israel ser
chamado de Yahweh.
[xiii]
O
mesmo Deus, na região norte (reino de Israel), era conhecido como Eloím.
[xiv] Acúmulo
de ruínas e detritos de construções que formam várias camadas geológicas,
constituindo pequenas colinas de topo plano, agrupando as várias camadas. Cada
etapa dessas configura um período histórico diferente.
[xv] Arqueólogo
inglês que se dedicou às pesquisas sobre os sumérios em torno do dilúvio.
[xvi] Cubitus
– antiga medida de comprimento, de três palmos, ou, mais ou menos, 67 cm.
[xvii]
Não
está claro, não convence! T(
[xviii] Os
cinco primeiros livros da Bíblia.
[xix] O
geronte era um velho ridículo da comédia clássica, um grimo.
[xxi] Feliz
daquele que pode conhecer as causas das coisas.
[xxii]
Essa
é uma fábula típica dos hebreus, enfocando a maior fraqueza feminina: a
curiosidade.
[xxiii] O
mesmo que xifópaga (que tem duas cabeças).
[xxiv] Minha
culpa, minha máxima culpa.
[xxv] Fato
bastante curioso é fundir ouro no deserto. Outro fato que chama a atenção é o
patrimônio em ouro dos hebreus, uma vez que saíram do Egito sem nada, foragidos
e como escravos. Mas, impressionante mesmo foi a quantidade brutal de ouro
aplicada na construção do tabernáculo ordenada por Deus... Vide Êxodo 25 em
diante. A única explicação é a capacidade que os judeus têm de se capitalizar,
ainda mais depois de quarenta anos no deserto...
[xxviii]
Termo
hebreu que significa Lei.
[xxix]
Tradição
jeovista pelo fato de, na região sul (reino de Judá), o Deus de Israel ser
chamado de Yahweh.
[xxx] O
mesmo Deus, na região norte (reino de Israel), era conhecido como Eloím.
[xxxii] Um deles, por exemplo:
“quem poupa o lobo, condena as ovelhas...”.
[xxxiii] Coisas incompreensíveis;
nebulosas.
[xxxiv] Argumento
insólito de que tudo o que é aceito passa a ser verdade.
[xxxv] Divindade egípcia em
forma de boi.
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