quinta-feira, 4 de junho de 2015

DOS DOGMAS, CONTRADIÇÕES E FRAUDES II

No início da caminhada cristã, a Bíblia significava a palavra de Deus para mim, de forma total. Por não haver contradições, ficou tudo fácil de ser entendido e explicado: uma cartilha de ensino fundamental. Para mim, o mundo clareou de vez. Tudo lindo, só passarinhos e borboletas... Ignorava o completo ingênuo que era. Mas chegou o tempo em que a cortina caiu e comecei a perceber as centenas de erros contidos na Bíblia. Isso foi na época dos bancos acadêmicos das faculdades que frequentara, quando resolvi criar coragem e admitir o peso da razão. Reaprendi a pensar.

Muito penoso, um cravo na alma, mas aprendi a discernir a ameaça dos desvios cognitivos religiosos. No princípio era o terror, depois um medo natural e, por fim, a vitória contra a estupidez, a cegueira cognitiva que aleija os homens, impedindo-os de viver o pouco que existe por aqui. Único motivo de felicidade.

Descobri, pelo método histórico-crítico, as datas que não combinavam entre si, as genealogias truncadas, coisas esquizoides, fantasias infantilizadas ao extremo, forjadas para a massa ignara, com uma bagagem imensa de fatos anacrônicos, na tentativa de manter o povo na incultura, fossilizado permanentemente. É de fácil percepção: na Antiguidade, o instinto de passar o outro para trás era o mesmo de hoje. A falta de escrúpulo com falsificações religiosas era idêntica a dos nossos dias. Os pastores de túnica também eram os mesmos que usam terno e Internet hoje.

Pesquisadores da teologia contemporânea tentam arrefecer a carga de culpa dos falsificadores do passado, mas se as falsificações não tivessem um cunho tão pleno de má-fé, por que aqueles que eram capturados pagavam as penas mais pesadas pelos atos ilícitos de falsificação? Justamente, porque ninguém, em nenhuma época, aceitou ser enganado sem a fantasia adequada e necessária.

No mundo antigo, a pseudoepigrafia[1] não era tão criticada, porque os líderes cristãos admitiam a necessidade da construção dos fundamentos proto-ortodoxos, que seriam os pilares textuais destinados à perpetuação teocrática. Parece que eles pressentiram isso e tomaram como missão admissível a pseudoepigrafia. A finalidade era usar os nomes dos discípulos de Jesus como meio de conferir autoridade aos textos que se destinavam à canonização... Do contrário, se forjassem a autoria de Ariovaldo, Josivaldo ou Florisvaldo, o povo desprezaria. Era necessário ter o nome dos discípulos!

Os profetas cristãos diziam-se inspirados por Deus, tinham fé pública, não eram questionados, logo, contavam suas “abobrinhas” à vontade e a massa acreditava em tudo. Afinal de contas, era o Espírito Santo. Na boca dos profetas, os copistas da Bíblia já colocavam as palavras: “Assim diz o Senhor”, ou “assim diz o Espírito”... Primeiro faziam os ignorantes tremer, pois achavam que as palavras vinham mesmo dos profetas e, depois do campo emocional preparado, despejavam os recados do além...

Até hoje os ingênuos repetem que Deus cuida dos seus filhos, mas não param de encher os bolsos dos oráculos de púlpitos pós-modernos. O crente gosta de pagar pela salvação. Os charlatães da fé, então, se aproveitam dos ingênuos dadivosos e continuam a usar os discursos marotos milenares para atender às necessidades espirituais das massas broncas. Na verdade, usurpam o dinheiro dos pobre-coitados úteis.

O povo não pensa, nem reflete sobre o que é dito com base científica. Simplesmente, fecha os olhos – não está preocupado em comprovações por vias da razão, pois simplesmente o “pior cego é o que se recusa a ver”... Nem sequer discute, porque, na realidade, não tem firmeza naquilo que diz crer. Se de fato cresse, preocupar-se-ia com o destino da própria alma, no mínimo. Povo indolente, preguiçoso mental, que recusa o saber, salvo raras exceções.

A maior parte de tudo registrado no Novo Testamento foi escrito por pessoas que não sabemos os nomes. Mas o tempo passou e a necessidade de saber esses nomes misteriosos provocou a curiosidade no povo. Então, às autorias: escolheram Mateus, Marcos, Lucas, João e outros mais... Continuaram a brincadeira, escolhendo, aqui e ali, até fechar o pacote. As regras básicas eram: a apostolicidade – o livro deveria ser escrito por um apóstolo ou companheiro do mesmo; a ortodoxia – era preciso avaliar o peso da proto-ortodoxidade no contexto geral do livro –, a genuína doutrina dos mesmos; a antiguidade – os livros deveriam ser escritos na época da existência de Cristo, mas o negócio é que ninguém achou esses originais até hoje. Ficou tudo na base das cópias, das cópias, das cópias, em suma, do “ôba-ôba”... É isso mesmo, exatamente porque ficou tudo na base dos encaixes em conceitos preconcebidos! A crença precisa ser confirmada, senão o clero se descontrola! Meus queridos leitores atentem para isso: eles precisam nos colocar nos trilhos tortos dos desvios cognitivos... Como? Tentam, de todas as formas, trabalhar as informações que chegam aos nossos sentidos para distorcê-las, afastando-nos do real para nos oferecerem na bandeja o mundo que sonhamos. O mundo como deveria ser, segundo os nossos sonhos – a produção do conformismo sufocado pelas fábulas eclesiásticas. Aí, eles conseguem cometer o crime nas nossas mentes, entopem-nos de motivos subjetivos, emocionais, psicológicos, passionais e sociais! São os clérigos suplentes do Mal, que se empenham em mudar as mentes sãs e formar exércitos de doutrinados perpétuos.

Isso é a confirmação emocional da crença em qualquer coisa. Repito, pela extrema importância desse modelo: a confirmação emocional. A coisa mais perigosa e traiçoeira para o equilíbrio psicológico humano – a emoção associada à fé. Esse é o mecanismo do fosso fideísta! Meu princípio, que insisto em rebater: a inferência paradigmal injuntiva, ou seja, a tão conhecida “lavagem cerebral”!

Vale a experiência da análise enquanto há tempo. Para um velho devoto, o resgate do encarceramento religioso é quase impossível. Ele não tem mais forças mentais para perceber a prisão em que se encontra, porque também representa uma zona de conforto para ele, portanto, é cômodo. Mas também é vítima de um processo cognitivo demonizante, que o aliena.

O viciado na crença, devoto profissional, encontra-se fraco demais para resistir à “confirmação emocional” de uma crença qualquer. Se você comete um crime de lesão corporal, vai preso. Mas se um clérigo, ostentando as vestes sacerdotais, comete um ato de lesão espiritual contra uma mente pura e ingênua, que não tenha meios intelectuais de defesa, nada acontece. Pior é que essa mente pode carregar para sempre as sequelas dos traumas espirituais causados pela religião. Esses danos à psiqué, promovidos pela religião, são indubitavelmente irreversíveis. O sacerdote tem licença para matar a alma, a alegria e a esperança. Tudo em nome do dogma ofertado pela instituição.

Tenho assistido na vida as piores covardias com os símplices. Ninguém os defende. A “cura” que lhes dão não é opção: é enfiar os quilos de lama doutrinária pela goela abaixo, para que fiquem cada vez mais fortes na fé da sua própria instituição, é claro... Tem uns que deixam os filhos morrerem num leito de hospital, porque criaram um deus doloso e atrofiado que os proíbe de receberem uma transfusão de sangue, enquanto outros comentam que Jesus derramou na cruz o sangue pela humanidade...

Na fé pentecostalista, metodista, presbiteriana, batista, católica, espiritualista e mais os istas faltantes, vigoram as mesmas técnicas de ensaboada cerebral em favor da “doutrina certa”. Durante um tempo! Por mais ignorantes que sejam as multidões de vítimas da fé, elas estão, pouco a pouco, percebendo o conto do vigário que lhes foi imposto através de séculos, milênios. Sabem por quê? Porque vai chegar o momento de não suportarem mais o silêncio de Deus! Vão cair na realidade de que somos apenas nós que podemos fazer alguma coisa para mudar a vida e que as vozes do além nunca passaram de contos infantis...

Escritos eram atribuídos a autores importantes da Bíblia para conferir autoridade e aura de santidade aos mesmos. Assim como escritos anônimos de menor importância receberam a posteriori o nível canônico e passaram a figurar na Bíblia. Paulo, por exemplo, não escreveu o livro de Hebreus, que foi um texto anônimo canonizado pelos pais da Igreja. As epístolas de João I, II, III, não foram escritas pelo mesmo, mas sim em grego, por cristãos posteriores. Hoje, esses pontos propõem um novo entendimento.

Era preciso, porém, que tudo isso fosse atribuído a um apóstolo e, até mesmo, o quarto evangelho, o de João, filho de Zebedeu... As cartas de I e II Timóteo, jamais foram escritas por Paulo, foi apenas uma criação consensual dos antigos. Sem rodeios, podemos dizer que eram criações duvidosas pertencentes a um mundo de falsificações, embustes, ilusões, na preparação de um futuro com religião e políticas sólidas – o império romano idealizado a partir do gênio de Constantino. Na canonização do Livro o que deu certo permaneceu. O que não deu, ficou de fora. Surgiu, então, o conceito de heresia, pois ao falarmos de padrões, geramos outros.

Na vida quase tudo é forjado – relativo. Nós é que temos dificuldade para aceitar esse princípio e o vemos como o pior dos escândalos. A razão é porque o absoluto não existe. O absoluto é um conceito que formamos como âncora geral. É só encarar um fato inconteste: qualquer ato de fé significa desprezo à verdade científica, portanto, a vida tem que acontecer de fato e não como a idealizamos, com as nossas esperanças infantis. Isto é uma profunda verdade, pois todos os ingênuos que defendem a fé religiosa têm extrema dificuldade de encarar a verdade ôntica-deôntica, o mundo como ele é. Por medo absoluto.

Na visão racional e científica a fé não muda nada, pois, se um deus pessoal existisse, ele teria que mudar as leis da natureza para atender você a cada instante. Por que ele faria isso? Para responder às coisas mais estúpidas ou do interesse pessoal dos bilhões de cegos cognitivos que povoam o planeta? Será que um ser supremo tão sábio e poderoso agiria dessa forma? Que tipo de justiça natural seria essa? A resposta é sempre a mesma para justificar a vaidade dos deuses e humilhar os humanos: o amor divino.

O homem intelectualizado afirma que a fé é um subproduto do pensamento. Em contraposto, o clero precisa adiar a monumental decepção que um dia ficará bem clara para cada um de nós. A fé nos molda para não entendermos o mundo e nos oculta os obstáculos que temos que enfrentar, deixando nas mãos do além o resultado que vier. A fé justifica qualquer resultado que a vida nos apresente. Temos, então, que nos conformar. É porque Deus quis desse ou daquele jeito. Um ser superior permitiu as guerras, as doenças e os desastres por que somos maus? Ou porque nos submete às provações, por um amor que não entendemos... Não é nada disso! Nem uma coisa nem outra. É a natureza que estabelece seus feitos e ela não é boa nem má. Ela é apenas a realidade bruta em evolução, através do processo adaptativo e aleatório.

Conhecemos tudo o que há na Bíblia. Jamais surgirá um louco qualquer que tente modificar o que lá está há séculos, muito bem canonizado. Segundo o que foi discorrido, nas batalhas iniciais do cristianismo, política pura, para ver quem venceria a disputa da inserção dos “textos certos” na Bíblia, muitos escritos ficaram de fora. Mas eles existiram e, na época, estavam em igualdade de direitos futuros para serem canonizados. Era uma concorrência de tendências, uma guerra de conceitos! É preciso que se compreenda que, no início do cristianismo, esses conceitos não eram vistos como heresias do jeito que os vemos hoje. Foram muitos os livros: A epístola dos apóstolos; O evangelho dos egípcios; O evangelho dos ebionitas; O evangelho dos hebreus; O evangelho dos nazarenos; O evangelho de Maria; O evangelho de Pedro; O evangelho do salvador; O pastor de Hermas; O evangelho da verdade; O livro secreto de João; O evangelho de Tiago; O hino da pérola; Os atos de João; Os atos de Pilatos; Os atos de Pedro; Os atos de Paulo; Os atos de Paulo e Tecla; Os atos de Tomé; Carta aos laodicenses; Epístola de Barnabé; II Clemente; III coríntios; Apocalipse de Pedro; Correspondência de Paulo e Sêneca; Evangelho de Nicodemos e muitos outros. Entretanto, o público religioso precisa saber como, quando e porque, esses livros não mereceram fazer parte da Bíblia. O motivo foi porque o grupo político mais robustecido de Roma, o proto-ortodoxo, não os considerou suficientemente inspirados por Deus. Também por não terem sido encontrados vestígios das mãos dos apóstolos. Houve coerência nas escolhas? Ou desconfiavam que esses evangelhos fossem falsificados? E eram mesmo, os pesquisadores são unânimes em afirmar. Ou, quem sabe, pelo critério do “bem me quer, mal me quer”?...

Sem dúvida, o cristianismo foi o movimento mais espetacular da história. Há muitos tipos de tendências políticas, preocupações, objetivos, finalidades, aplicações caritativas e doutrinas dentro dos cristianismos. Foi o que disse – cristianismos. Sim, pois mesmo com a Bíblia “resolvida”, no que tange à própria canonização, sempre existiu um impulso oculto para o desdobramento e diversificação, cada vez maiores, das possibilidades dogmáticas das Escrituras. Existem vinte e sete livros no Novo Testamento, mas é como se fossem cinco mil e vinte e sete, dadas as possibilidades de articulação inventiva. O resultado é o que se vê: a fabricação de novidades eclesiásticas no curso da própria história.

Observemos a multiplicação das religiões no mundo de hoje. Não mudam nas intenções, mas produzem efeitos transformativos que conduzem o povo através de ventos doutrinários sedutores, de acordo com as bruscas variações e necessidades sociais. Expressão da ânsia pela moda fugaz e suas mudanças levianas...

Sobre esses evangelhos e escrituras apócrifas são muitas as histórias. Os antigos declaram que o próprio Tiago, irmão de Jesus, escrevera as baboseiras do evangelho que assume a autoria. Disse até, que Maria, sua mãe, teria continuado virgem mesmo depois do parto de Jesus. Por isso, o mito da virgo intacta.

Na religião, quanto mais loucura melhor – mais fácil de crer. As epístolas de Tito e de Timóteo I e II, segundo a maioria dos especialistas, foram escritas muito depois da morte de Paulo, que supostamente seria o autor das cartas. O mesmo acontece com II Tessalonicenses, os pesquisadores negam a autoria de Paulo. A maioria dos estudiosos também nega que II Pedro seja de autoria do próprio apóstolo.

Um detalhe merece reflexão: é que não estamos falando agora dos evangelhos apócrifos aqui descritos, mas dos livros que fazem parte da Bíblia. Mesmo os livros canônicos têm obtido um foco suspeito nos últimos tempos –, uma vez que vieram à tona fatos vergonhosamente mitológicos dentro das Escrituras. Falo da Bíblia mesmo, o livro que as pessoas defendem e carregam debaixo do braço, sem terem consciência da sua historicidade, depois que o método crítico-bíblico passou a chamar a atenção do mundo.

A Bíblia, que não é mais respeitada como nos séculos anteriores, perde terreno no campo da razão rapidamente quando é aplicado um exame histórico-crítico no corpo do seu texto. Mais parece uma coletânea infanto-medioeva. Quando, entretanto, fechamos os olhos para a realidade, as Escrituras assumem os ares do Monte Sinai. Um livro santo envolto em fumaça branca... Só que o mito de “palavra de Deus” se mantém apenas entre os fiéis de cultura mais acanhada, pálida mesmo. Como as pessoas, no processo de globalização, acumulam toneladas de informações em todos os níveis, em pouco tempo a Bíblia será apenas uma recordação de épocas obscuras, um livro de péssima construção literária, que nos remete aos tempos mais atrasados da história humana.

A formidável estratégia, a tática espetacular, usada por mentes criativas ao longo de milênios, construiu a Bíblia! Sobre a pessoa e divindade de Jesus, temos um caso típico de construção dogmática gradual, uma sondagem especulativa do povo, por séculos, para chegar ao passo final rumo à canonicidade... Tudo começa com a ideia de um messias adaptado ao cristianismo. Houve a distorção do messias judaico, que já não convencia muito pela sua demora em chegar ao mundo. Até porque, a compreensão do povo mudou: era preciso um messias mais democrático e popular. Chegara o momento histórico de um messias dos pobres e de um evento populista bem ajustado. A ideia, assim, foi absorvida pelos judeus apocalipsistas, uma vez que não se sentiam amarrados ao fundamentalismo. Os cristãos, então, ficaram senhores da situação.

De quando em quando, a história articula as suas mudanças. De estalo, brota o conceito de inseminação divina e nascimento virginal, que deu certo. Quem não gostaria de um deus passeando por aqui? A ideia logo se assentou. O menino cresceu e, segundo os textos, deu uma demonstração vibrante de sabedoria no meio dos doutores do Templo. Então, veio o início ministerial com as revelações, parábolas formatadas para os de parco esclarecimento e propostas salvacionistas inteiramente novas. Essa ideia de um ministério eclético também foi amplamente admitida e, perseguida por razões políticas, só serviu para fortalecer a visão da massa inculta. Para isso, é necessária a construção gradual de princípios.

Todos os relatos descreviam um notável elenco de eventos de abundante miraculosidade, com os textos já familiares, atribuídos aos apóstolos. Tudo se “encaixou” nos planos divinos. Na sequência de fatos teocráticos, houve um batismo diferente, confirmando o ministério. Ressurreições e promessas futuras que nenhuma outra religião oferecera até então. Verdade. O cristianismo é campeão em esperança, justamente pela natureza dogmática da renúncia ao mundo. A vida por aqui não interessa, nem a sua ocupação profissional. O clero não se interessa pelo que você faz, mas pelo que você paga. Importa mesmo o investimento na Eternidade.

Depois, despontou o dogma da Trindade, já que o Filho não retornou nos tempos apostólicos, uma recontextualização se impôs onde coubesse a doutrina trinitária, o que foi bem aceito. Encaixou como uma luva na cristandade, embora, até hoje, nem todos os cristãos sejam partidários de doutrina tão fantástica. Entretanto, o mais sensacional foi a mulher menos significativa do cristianismo, Maria Madalena, fincar o marco teológico inicial: a descoberta do túmulo vazio! Pronto. Tudo foi para o lugar e a maior das religiões começou a se desdobrar, em profusão. Maria Madalena endossou o início do cristianismo com o túmulo vazio, assim como a lenda da criação, que se baseia num casal imaginário, endossa o início do judaísmo. Sempre desconfiei das passagens bíblicas que fazem menção a Adão e Eva, apenas por se tratar da explicação mais pré-cambriana do Gênesis... Uma lenda cabível apenas nas mentes dos tempos antigos.

Há suspeita de que I Timóteo 2:12-15 não tenha sido escrita por Paulo, pois um apóstolo, presumivelmente, não repetiria fantasias da Antiguidade como essa: “Não permito que a mulher ensine nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher foi enganada e caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer na fé, na caridade e na santificação, com moderação”. Em primeiro lugar, prevalece a misoginia, em segundo, uma compreensão que já foi esmagada desde o século XIX – a do casal do Éden... Não existiu nenhum primeiro casal gerador da humanidade inteira. Existiram, em concomitância, sobre toda a Terra, australopithecus que se reproduziram aos milhões. Na Pré-história, hordas de bárbaros seguiram na reprodução, ao tempo que mantinham características raciais, regionais e biológicas próprias. Isso porque, há mais de quatro milhões de anos, seus antepassados, do ramo australopithecus, já caminhavam evolutivamente para o gênero homo.

Continuando com a análise das estranhezas bíblicas, observe-se que os quatro Evangelhos canônicos, além de termos afirmado que são todos anônimos, apenas levando na fachada o nome dos apóstolos, nenhum deles contêm qualquer narrativa na primeira pessoa, o que remove por completo a autoridade no discurso de qualquer homem importante... O que mais pesa na bandeja das dúvidas é que os discípulos, que andavam com Jesus, mal sabiam falar hebraico, aramaico e tampouco escrever os próprios nomes. Eram todos analfabetos. O Novo Testamento foi escrito trezentos anos depois desses homens rudes, que eram trabalhadores braçais e pescadores, andarem com Jesus, conforme as lendas bíblicas...

As primeiras cópias que temos do Novo Testamento são todas escritas num grego culto e impecável. Pedro nunca soube a forma de uma letra grega. Os cristianismos não foram criados apenas por centenas de pessoas, mas por milhares delas, ao longo de séculos, com muitas tendências possíveis e imagináveis, por miríades de indivíduos venais, disfarçados de santos, invariavelmente com a mente repleta de dolo... Indivíduos preocupados com a eternização dos seus nomes, dos cargos eclesiásticos, com o poder temporal para “administrar” as coisas do ser superior e da sua casa aqui na terra. Sacerdotes histriônicos que farejam a carne das ovelhinhas e enviam as almas para outro lugar...

As cartas de Tito; de I e II Timóteo, hoje, não têm mais a chancela de autenticidade dos especialistas destacados em filologia, no que tange à autoria de Paulo e, desde o século XVIII, são chamadas de “epístolas pastorais”. Um respeitado pesquisador alemão, Friedrich Daniel Ernest Scheleiermacher[2], ao contrário de Hegel, não subordinava a religião à filosofia, era cristocêntrico, mas contestou a autoria de Paulo em relação a essas cartas, considerando-as mitológicas.

A questão da recontextualização da volta de Cristo, presumida para aqueles tempos cristãos iniciais, devem ter causado uma decepção desproporcional aos crentes, pois o próprio Paulo acreditava que ainda estaria vivo quando Jesus retornasse ao mundo. O papel da Igreja, nesse período de espera pela vinda do reino, deveria ser apenas para o fortalecimento dos cristãos, a fim de que atingissem um estado de perfeição para o arrebatamento.

A partir desse período é que surgem as ocorrências fenomênicas e a ideia do batismo no Espírito Santo, acompanhado das línguas estranhas, profecias, sonhos e dons de cura. Seria talvez uma sustentação do eu interior com a finalidade divina de suportar as perseguições entabuladas naquela época? Um provimento de resistência interior? Se há fundamento nisso por que, então, não aconteceu nenhuma volta de Cristo naqueles dias?...


[1] “Livro cuja autoria é falsa”.
[2] Professor alemão de filosofia e teologia (1768-1834).


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