DOS DOGMAS, CONTRADIÇÕES E FRAUDES II
No início da caminhada cristã, a Bíblia
significava a palavra de Deus para mim, de forma total. Por não haver contradições, ficou tudo fácil
de ser entendido e explicado: uma cartilha de ensino fundamental. Para mim, o mundo
clareou de vez. Tudo lindo, só passarinhos e borboletas... Ignorava o completo
ingênuo que era. Mas chegou o tempo em que a cortina caiu e comecei a perceber
as centenas de erros contidos na Bíblia. Isso foi na época dos bancos
acadêmicos das faculdades que frequentara, quando resolvi criar coragem e
admitir o peso da razão. Reaprendi a pensar.
Muito penoso, um cravo na alma, mas aprendi a
discernir a ameaça dos desvios cognitivos religiosos. No princípio era o
terror, depois um medo natural e, por fim, a vitória contra a estupidez, a
cegueira cognitiva que aleija os homens, impedindo-os de viver o pouco que
existe por aqui. Único motivo de felicidade.
Descobri, pelo método histórico-crítico, as
datas que não combinavam entre si, as genealogias truncadas, coisas esquizoides,
fantasias infantilizadas ao extremo, forjadas para a massa ignara, com uma
bagagem imensa de fatos anacrônicos, na tentativa de manter o povo na incultura,
fossilizado permanentemente. É de fácil percepção: na Antiguidade, o instinto
de passar o outro para trás era o mesmo de hoje. A falta de escrúpulo com falsificações
religiosas era idêntica a dos nossos dias. Os pastores de túnica também eram os
mesmos que usam terno e Internet hoje.
Pesquisadores da teologia contemporânea
tentam arrefecer a carga de culpa dos falsificadores do passado, mas se as
falsificações não tivessem um cunho tão pleno de má-fé, por que aqueles que
eram capturados pagavam as penas mais pesadas pelos atos ilícitos de
falsificação? Justamente, porque ninguém, em nenhuma época, aceitou ser
enganado sem a fantasia adequada e necessária.
No mundo antigo, a pseudoepigrafia[1]
não era tão criticada, porque os líderes cristãos admitiam a necessidade da
construção dos fundamentos proto-ortodoxos, que seriam os pilares textuais destinados
à perpetuação teocrática. Parece que eles pressentiram isso e tomaram como
missão admissível a pseudoepigrafia. A finalidade era usar os nomes dos discípulos
de Jesus como meio de conferir autoridade aos textos que se destinavam à
canonização... Do contrário, se forjassem a autoria de Ariovaldo, Josivaldo ou
Florisvaldo, o povo desprezaria. Era necessário ter o nome dos discípulos!
Os
profetas cristãos diziam-se inspirados por Deus, tinham fé pública, não eram
questionados, logo, contavam suas “abobrinhas” à vontade e a massa acreditava
em tudo. Afinal de contas, era o
Espírito Santo. Na boca dos profetas, os copistas da Bíblia já colocavam as
palavras: “Assim diz o Senhor”, ou “assim diz o Espírito”... Primeiro faziam os
ignorantes tremer, pois achavam que as palavras vinham mesmo dos profetas e,
depois do campo emocional preparado, despejavam os recados do além...
Até hoje os ingênuos repetem que Deus cuida
dos seus filhos, mas não param de encher os bolsos dos oráculos de púlpitos
pós-modernos. O crente gosta de pagar pela salvação. Os charlatães da fé,
então, se aproveitam dos ingênuos dadivosos e continuam a usar os discursos marotos
milenares para atender às
necessidades espirituais das massas broncas. Na verdade, usurpam o dinheiro dos
pobre-coitados úteis.
O povo não pensa, nem reflete sobre o que é
dito com base científica. Simplesmente, fecha os olhos – não está preocupado em
comprovações por vias da razão, pois simplesmente o “pior cego é o que se
recusa a ver”... Nem sequer discute, porque, na realidade, não tem firmeza
naquilo que diz crer. Se de fato cresse, preocupar-se-ia com o destino da
própria alma, no mínimo. Povo indolente, preguiçoso mental, que recusa o saber,
salvo raras exceções.
A maior parte de tudo registrado no Novo Testamento
foi escrito por pessoas que não sabemos os nomes. Mas o tempo passou e a
necessidade de saber esses nomes misteriosos provocou a curiosidade no povo. Então,
às autorias: escolheram Mateus, Marcos, Lucas, João e outros mais... Continuaram
a brincadeira, escolhendo, aqui e ali, até fechar o pacote. As regras básicas
eram: a apostolicidade – o livro deveria ser escrito por um apóstolo ou
companheiro do mesmo; a ortodoxia – era preciso avaliar o peso da
proto-ortodoxidade no contexto geral do livro –, a genuína doutrina dos mesmos;
a antiguidade – os livros deveriam ser escritos na época da existência de
Cristo, mas o negócio é que ninguém achou esses originais até hoje. Ficou tudo
na base das cópias, das cópias, das cópias, em suma, do “ôba-ôba”... É isso
mesmo, exatamente porque ficou tudo na base dos encaixes em conceitos
preconcebidos! A crença precisa ser confirmada, senão o clero se descontrola!
Meus queridos leitores atentem para isso: eles precisam nos colocar nos trilhos
tortos dos desvios cognitivos... Como? Tentam, de todas as formas, trabalhar as
informações que chegam aos nossos sentidos para distorcê-las, afastando-nos do
real para nos oferecerem na bandeja o mundo que sonhamos. O mundo como deveria ser, segundo os nossos sonhos –
a produção do conformismo sufocado pelas fábulas eclesiásticas. Aí, eles
conseguem cometer o crime nas nossas mentes, entopem-nos de motivos subjetivos,
emocionais, psicológicos, passionais e sociais! São os clérigos suplentes do
Mal, que se empenham em mudar as mentes sãs e formar exércitos de doutrinados
perpétuos.
Isso é a confirmação emocional da crença em
qualquer coisa. Repito, pela extrema importância desse modelo: a confirmação
emocional. A coisa mais perigosa e traiçoeira para o equilíbrio psicológico
humano – a emoção associada à fé. Esse é o mecanismo do fosso fideísta! Meu
princípio, que insisto em rebater: a inferência
paradigmal injuntiva, ou seja, a tão conhecida “lavagem cerebral”!
Vale a experiência da análise enquanto há
tempo. Para um velho devoto, o resgate do encarceramento religioso é quase
impossível. Ele não tem mais forças mentais para perceber a prisão em que se
encontra, porque também representa uma zona de conforto para ele, portanto, é
cômodo. Mas também é vítima de um processo cognitivo demonizante, que o aliena.
O viciado na crença, devoto profissional, encontra-se
fraco demais para resistir à “confirmação emocional” de uma crença qualquer. Se
você comete um crime de lesão corporal, vai preso. Mas se um clérigo, ostentando
as vestes sacerdotais, comete um ato de lesão
espiritual contra uma mente pura e
ingênua, que não tenha meios intelectuais de defesa, nada acontece. Pior é que
essa mente pode carregar para sempre as sequelas dos traumas espirituais
causados pela religião. Esses danos à psiqué,
promovidos pela religião, são indubitavelmente irreversíveis. O sacerdote tem
licença para matar a alma, a alegria e a esperança. Tudo em nome do dogma
ofertado pela instituição.
Tenho assistido na vida as piores covardias
com os símplices. Ninguém os defende. A “cura” que lhes dão não é opção: é
enfiar os quilos de lama doutrinária pela goela abaixo, para que fiquem cada
vez mais fortes na fé da sua própria
instituição, é claro... Tem uns que deixam os filhos morrerem num leito de
hospital, porque criaram um deus doloso e atrofiado que os proíbe de receberem
uma transfusão de sangue, enquanto outros comentam que Jesus derramou na cruz o
sangue pela humanidade...
Na fé pentecostalista, metodista, presbiteriana,
batista, católica, espiritualista e mais os istas
faltantes, vigoram as mesmas técnicas de ensaboada cerebral em favor da
“doutrina certa”. Durante um tempo! Por mais ignorantes que sejam as multidões
de vítimas da fé, elas estão, pouco a pouco, percebendo o conto do vigário que lhes
foi imposto através de séculos, milênios. Sabem por quê? Porque vai chegar o
momento de não suportarem mais o silêncio de Deus! Vão cair na realidade de que
somos apenas nós que podemos fazer alguma coisa para mudar a vida e que as vozes
do além nunca passaram de contos infantis...
Escritos eram atribuídos a autores
importantes da Bíblia para conferir autoridade e aura de santidade aos mesmos.
Assim como escritos anônimos de menor importância receberam a posteriori o nível canônico e passaram a figurar na Bíblia.
Paulo, por exemplo, não escreveu o livro de Hebreus, que foi um texto anônimo
canonizado pelos pais da Igreja. As epístolas de João I, II, III, não foram
escritas pelo mesmo, mas sim em grego, por cristãos posteriores. Hoje, esses
pontos propõem um novo entendimento.
Era preciso, porém, que tudo isso fosse
atribuído a um apóstolo e, até mesmo, o quarto evangelho, o de João, filho de
Zebedeu... As cartas de I e II Timóteo, jamais foram escritas por Paulo, foi apenas
uma criação consensual dos antigos. Sem rodeios, podemos dizer que eram criações
duvidosas pertencentes a um mundo de falsificações, embustes, ilusões, na preparação
de um futuro com religião e políticas sólidas – o império romano idealizado a
partir do gênio de Constantino. Na canonização do Livro o que deu certo
permaneceu. O que não deu, ficou de fora. Surgiu, então, o conceito de heresia,
pois ao falarmos de padrões, geramos outros.
Na vida quase tudo é forjado – relativo. Nós
é que temos dificuldade para aceitar esse princípio e o vemos como o pior dos
escândalos. A razão é porque o absoluto não existe. O absoluto é um conceito
que formamos como âncora geral. É só encarar um fato inconteste: qualquer ato
de fé significa desprezo à verdade científica, portanto, a vida tem que
acontecer de fato e não como a idealizamos, com as nossas esperanças infantis.
Isto é uma profunda verdade, pois todos os ingênuos que defendem a fé religiosa
têm extrema dificuldade de encarar a verdade ôntica-deôntica, o mundo como ele
é. Por medo absoluto.
Na visão racional e científica a fé não muda
nada, pois, se um deus pessoal existisse, ele teria que mudar as leis da
natureza para atender você a cada instante. Por que ele faria isso? Para
responder às coisas mais estúpidas ou do interesse pessoal dos bilhões de cegos
cognitivos que povoam o planeta? Será que um ser supremo tão sábio e poderoso
agiria dessa forma? Que tipo de justiça natural seria essa? A resposta é sempre
a mesma para justificar a vaidade dos deuses e humilhar os humanos: o amor
divino.
O homem intelectualizado afirma que a fé é
um subproduto do pensamento. Em contraposto, o clero precisa adiar a monumental
decepção que um dia ficará bem clara para cada um de nós. A fé nos molda para
não entendermos o mundo e nos oculta os obstáculos que temos que enfrentar,
deixando nas mãos do além o resultado que vier. A fé justifica qualquer
resultado que a vida nos apresente. Temos, então, que nos conformar. É porque
Deus quis desse ou daquele jeito. Um
ser superior permitiu as guerras, as doenças e os desastres por que somos maus?
Ou porque nos submete às provações, por um amor que não entendemos... Não é
nada disso! Nem uma coisa nem outra. É a natureza que estabelece seus feitos e
ela não é boa nem má. Ela é apenas a realidade bruta em evolução, através do
processo adaptativo e aleatório.
Conhecemos tudo o que há na Bíblia. Jamais
surgirá um louco qualquer que tente modificar o que lá está há séculos, muito
bem canonizado. Segundo o que foi discorrido, nas batalhas iniciais do
cristianismo, política pura, para ver quem venceria a disputa da inserção dos
“textos certos” na Bíblia, muitos escritos ficaram de fora. Mas eles existiram
e, na época, estavam em igualdade de direitos futuros para serem canonizados.
Era uma concorrência de tendências, uma guerra de conceitos! É preciso que se
compreenda que, no início do cristianismo, esses conceitos não eram vistos como
heresias do jeito que os vemos hoje. Foram muitos os livros: A epístola dos apóstolos; O evangelho dos
egípcios; O evangelho dos ebionitas; O evangelho dos hebreus; O evangelho dos
nazarenos; O evangelho de Maria; O evangelho de Pedro; O evangelho do salvador;
O pastor de Hermas; O evangelho da verdade; O livro secreto de João; O
evangelho de Tiago; O hino da pérola; Os atos de João; Os atos de Pilatos; Os
atos de Pedro; Os atos de Paulo; Os atos de Paulo e Tecla; Os atos de Tomé;
Carta aos laodicenses; Epístola de Barnabé; II Clemente; III coríntios; Apocalipse
de Pedro; Correspondência de Paulo e Sêneca; Evangelho de Nicodemos e
muitos outros. Entretanto, o público religioso precisa saber como, quando e porque,
esses livros não mereceram fazer parte da Bíblia. O motivo foi porque o grupo
político mais robustecido de Roma, o proto-ortodoxo, não os considerou
suficientemente inspirados por Deus. Também por não terem sido encontrados
vestígios das mãos dos apóstolos. Houve
coerência nas escolhas? Ou desconfiavam que esses evangelhos fossem falsificados?
E eram mesmo, os pesquisadores são unânimes em afirmar. Ou, quem sabe, pelo
critério do “bem me quer, mal me quer”?...
Sem dúvida, o cristianismo foi o movimento
mais espetacular da história. Há muitos tipos de tendências políticas,
preocupações, objetivos, finalidades, aplicações caritativas e doutrinas dentro
dos cristianismos. Foi o que disse – cristianismos. Sim, pois mesmo com a
Bíblia “resolvida”, no que tange à própria canonização, sempre existiu um
impulso oculto para o desdobramento e diversificação, cada vez maiores, das
possibilidades dogmáticas das Escrituras. Existem vinte e sete livros no Novo
Testamento, mas é como se fossem cinco mil e vinte e sete, dadas as
possibilidades de articulação inventiva. O resultado é o que se vê: a fabricação
de novidades eclesiásticas no curso da própria história.
Observemos a multiplicação das religiões no
mundo de hoje. Não mudam nas intenções, mas produzem efeitos transformativos que
conduzem o povo através de ventos doutrinários sedutores, de acordo com as
bruscas variações e necessidades sociais. Expressão da ânsia pela moda fugaz e suas
mudanças levianas...
Sobre esses evangelhos e escrituras
apócrifas são muitas as histórias. Os antigos declaram que o próprio Tiago,
irmão de Jesus, escrevera as baboseiras do evangelho que assume a autoria.
Disse até, que Maria, sua mãe, teria continuado virgem mesmo depois do parto de
Jesus. Por isso, o mito da virgo intacta.
Na religião, quanto mais loucura melhor –
mais fácil de crer. As epístolas de Tito e de Timóteo I e II, segundo a maioria
dos especialistas, foram escritas muito depois da morte de Paulo, que
supostamente seria o autor das cartas. O mesmo acontece com II Tessalonicenses,
os pesquisadores negam a autoria de Paulo. A maioria dos estudiosos também nega
que II Pedro seja de autoria do próprio apóstolo.
Um detalhe merece reflexão: é que não
estamos falando agora dos evangelhos apócrifos aqui descritos, mas dos livros
que fazem parte da Bíblia. Mesmo os livros canônicos têm obtido um foco suspeito
nos últimos tempos –, uma vez que vieram à tona fatos vergonhosamente
mitológicos dentro das Escrituras. Falo da Bíblia mesmo, o livro que as pessoas
defendem e carregam debaixo do braço, sem terem consciência da sua
historicidade, depois que o método crítico-bíblico passou a chamar a atenção do
mundo.
A
Bíblia, que não é mais respeitada como nos séculos anteriores, perde terreno no
campo da razão rapidamente quando é aplicado um exame histórico-crítico no
corpo do seu texto. Mais parece uma coletânea infanto-medioeva. Quando,
entretanto, fechamos os olhos para a realidade, as Escrituras assumem os ares
do Monte Sinai. Um livro santo envolto em fumaça branca... Só que o mito de
“palavra de Deus” se mantém apenas entre os fiéis de cultura mais acanhada,
pálida mesmo. Como as pessoas, no processo de globalização, acumulam toneladas
de informações em todos os níveis, em pouco tempo a Bíblia será apenas uma
recordação de épocas obscuras, um livro de péssima construção literária, que
nos remete aos tempos mais atrasados da história humana.
A formidável estratégia, a tática espetacular,
usada por mentes criativas ao longo de milênios, construiu a Bíblia! Sobre a
pessoa e divindade de Jesus, temos um caso típico de construção dogmática
gradual, uma sondagem especulativa do povo, por séculos, para chegar ao passo
final rumo à canonicidade... Tudo começa com a ideia de um messias adaptado ao
cristianismo. Houve a distorção do messias judaico, que já não convencia muito
pela sua demora em chegar ao mundo. Até porque, a compreensão do povo mudou: era
preciso um messias mais democrático e popular. Chegara o momento histórico de
um messias dos pobres e de um evento populista bem ajustado. A ideia, assim,
foi absorvida pelos judeus apocalipsistas, uma vez que não se sentiam amarrados
ao fundamentalismo. Os cristãos, então, ficaram senhores da situação.
De quando em quando, a história articula as
suas mudanças. De estalo, brota o conceito de inseminação divina e nascimento
virginal, que deu certo. Quem não gostaria de um deus passeando por aqui? A
ideia logo se assentou. O menino cresceu e, segundo os textos, deu uma
demonstração vibrante de sabedoria no meio dos doutores do Templo. Então, veio
o início ministerial com as revelações, parábolas formatadas para os de parco
esclarecimento e propostas salvacionistas inteiramente novas. Essa ideia de um
ministério eclético também foi amplamente admitida e, perseguida por razões
políticas, só serviu para fortalecer a visão da massa inculta. Para isso, é
necessária a construção gradual de princípios.
Todos os relatos descreviam um notável
elenco de eventos de abundante miraculosidade,
com os textos já familiares, atribuídos aos apóstolos. Tudo se “encaixou” nos
planos divinos. Na sequência de fatos teocráticos, houve um batismo diferente,
confirmando o ministério. Ressurreições e promessas futuras que nenhuma outra
religião oferecera até então. Verdade. O cristianismo é campeão em esperança,
justamente pela natureza dogmática da renúncia ao mundo. A vida por aqui não
interessa, nem a sua ocupação profissional. O clero não se interessa pelo que
você faz, mas pelo que você paga. Importa mesmo o investimento na Eternidade.
Depois, despontou o dogma da Trindade, já
que o Filho não retornou nos tempos apostólicos, uma recontextualização se
impôs onde coubesse a doutrina trinitária, o que foi bem aceito. Encaixou como
uma luva na cristandade, embora, até hoje, nem todos os cristãos sejam
partidários de doutrina tão fantástica. Entretanto, o mais sensacional foi a
mulher menos significativa do cristianismo, Maria Madalena, fincar o marco
teológico inicial: a descoberta do túmulo vazio! Pronto. Tudo foi para o lugar
e a maior das religiões começou a se desdobrar, em profusão. Maria Madalena
endossou o início do cristianismo com o túmulo vazio, assim como a lenda da
criação, que se baseia num casal imaginário, endossa o início do judaísmo. Sempre
desconfiei das passagens bíblicas que fazem menção a Adão e Eva, apenas por se
tratar da explicação mais pré-cambriana do Gênesis... Uma lenda cabível apenas
nas mentes dos tempos antigos.
Há suspeita de que I Timóteo 2:12-15 não
tenha sido escrita por Paulo, pois um apóstolo, presumivelmente, não repetiria
fantasias da Antiguidade como essa: “Não permito que a mulher ensine nem use de
autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio. Porque primeiro foi
formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher foi enganada e
caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer na
fé, na caridade e na santificação, com moderação”. Em primeiro lugar, prevalece
a misoginia, em segundo, uma compreensão que já foi esmagada desde o século XIX
– a do casal do Éden... Não existiu nenhum primeiro casal gerador da humanidade
inteira. Existiram, em concomitância, sobre toda a Terra, australopithecus que se reproduziram aos milhões. Na Pré-história,
hordas de bárbaros seguiram na reprodução, ao tempo que mantinham características
raciais, regionais e biológicas próprias. Isso porque, há mais de quatro
milhões de anos, seus antepassados, do ramo australopithecus,
já caminhavam evolutivamente para o gênero homo.
Continuando com a análise das estranhezas
bíblicas, observe-se que os quatro Evangelhos canônicos, além de termos
afirmado que são todos anônimos, apenas levando na fachada o nome dos
apóstolos, nenhum deles contêm qualquer narrativa na primeira pessoa, o que
remove por completo a autoridade no discurso de qualquer homem importante... O
que mais pesa na bandeja das dúvidas é que os discípulos, que andavam com
Jesus, mal sabiam falar hebraico, aramaico e tampouco escrever os próprios
nomes. Eram todos analfabetos. O Novo Testamento foi escrito trezentos anos
depois desses homens rudes, que eram trabalhadores braçais e pescadores,
andarem com Jesus, conforme as lendas bíblicas...
As primeiras cópias que temos do Novo Testamento
são todas escritas num grego culto e impecável. Pedro nunca soube a forma de
uma letra grega. Os cristianismos não foram criados apenas por centenas de pessoas,
mas por milhares delas, ao longo de séculos, com muitas tendências possíveis e
imagináveis, por miríades de indivíduos venais, disfarçados de santos, invariavelmente
com a mente repleta de dolo... Indivíduos preocupados com a eternização dos seus nomes, dos cargos
eclesiásticos, com o poder temporal para “administrar” as coisas do ser superior
e da sua casa aqui na terra. Sacerdotes histriônicos que farejam a carne das
ovelhinhas e enviam as almas para outro lugar...
As cartas de Tito; de I e II Timóteo, hoje,
não têm mais a chancela de autenticidade dos especialistas destacados em
filologia, no que tange à autoria de Paulo e, desde o século XVIII, são
chamadas de “epístolas pastorais”. Um respeitado pesquisador alemão, Friedrich Daniel
Ernest Scheleiermacher[2],
ao contrário de Hegel, não subordinava a religião à filosofia, era
cristocêntrico, mas contestou a autoria de Paulo em relação a essas cartas,
considerando-as mitológicas.
A questão da recontextualização da volta de
Cristo, presumida para aqueles tempos cristãos iniciais, devem ter causado uma
decepção desproporcional aos crentes, pois o próprio Paulo acreditava que ainda
estaria vivo quando Jesus retornasse ao mundo. O papel da Igreja, nesse período
de espera pela vinda do reino, deveria ser apenas para o fortalecimento dos
cristãos, a fim de que atingissem um estado de perfeição para o arrebatamento.
A partir desse período é que surgem as
ocorrências fenomênicas e a ideia do batismo no Espírito Santo, acompanhado das línguas estranhas, profecias,
sonhos e dons de cura. Seria talvez uma sustentação do eu interior com a
finalidade divina de suportar as perseguições entabuladas naquela época? Um
provimento de resistência interior? Se há fundamento nisso por que, então, não
aconteceu nenhuma volta de Cristo naqueles
dias?...
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