SUIS-JE CHARLIE?
O homem, mesmo carregando as mazelas da sua
baixa origem, fabrica santos. O papa, em visita recente ao Sri Lanka, com a
missão de canonizar mais um, promoveu Joseph Vaz a santo cingalês. Ainda nos
mandou mais uma pérola da sua coleção
de declarações: “Todo indivíduo deve ser livre, sozinho ou associado a outros,
para buscar a verdade, expressar abertamente suas convicções religiosas, livre
de intimidações e de coações exteriores”.
Todo indivíduo deve ser livre – ponto.
Ciente das sanções legais, mas livre para buscar a sua verdade, pois sempre
será relativa. Qual a verdade do papa? O indivíduo ainda deve ser livre para
expressar abertamente, não só as suas convicções religiosas como, também, as antirreligiosas.
Hoje, o mundo vive uma situação singular.
Je suis Charlie tornou-se um slogan, agora até com uso mercantil. Mas abriu-se um
caminho com o desdobramento de fatos de futuro imprevisto. É um funil que se
tornou inevitável – todos tínhamos que entrar. A humanidade ficou saturada da
religião, pois descobriu, pouco a pouco, que isso não vem no leite materno.
Achávamos que a crença poderia ser biológica, que chegávamos ao mundo com a
necessidade de religião. Mero equívoco, a ciência derrubou o mito. A religião é
inoculada, não importa se a cultura é ocidental ou oriental. É fenômeno social
recorrente para promover o freio comportamental e o ethos civilizatório. Afinal, a civilização só foi possível com os
mecanismos do religare. Só que agora
o processo não repousa mais no constructo
civilizatório. Trata-se de um ajuste social urgente com viés de alforria do
próprio homem para que seja possível a sua sobrevivência no planeta. O homem
precisa entender agora que as divisões religiosas vão travar o processo imediato que se impõe, no dar as mãos, para salvar o que nos resta no mundo. Que essas
mãos não estejam mais postas em orações fantasiosas, mas que sirvam para puxar
rapidamente o nosso próximo do lodaçal formado.
Os
simples esboços de algum maître dessinateur do Charlie Hebdo detonou a
bomba interior de dois malucos. Tem-se o pavio histórico. Acontece que a bola do
engodo religioso foi regurgitada entre os homens e parou na garganta. Aquele algo
preparado para ser engolido na Antiguidade, voltou na pós-modernidade e se
tornou um problema bem grande para todos nós: a intolerância à religião. Sim,
porque, mais cedo ou mais tarde, seria conscientizado o fato de que nenhuma
religião representa a verdade de per si.
Logo, deixa de existir a verdade religiosa absoluta e, talvez, até o próprio
absoluto.
Um judeu tem as mesmas razões que um
cristão para seguir a sua religião. Chamam isso de fé. Mas o muçulmano também
tem as suas razões e não abre mão. Os cristãos citam a Bíblia como palavra de
Deus inspirada. Os judeus reivindicam a antiguidade da Torah como sendo a regra
de ouro e os muçulmanos alegam piamente que o Corão é a palavra perfeita do Criador.
Fé é convicção ou contumácia? Se for convicção, como sustentar o que deveria
ser uno e indivisível? Por que tantas fés? Maomé disse que Jesus não era
divino. Yaweh diz que seu filho amado é Jesus. O papa diz que Maria é nossa
mãe. Acho que Alá e Yaweh não conseguiram se entender desde o início... Mas
dizem que Deus é o mesmo, não? Como pode existir verdade em coisas que divergem?
O
episódio nefasto do Charlie Hebdo deve-se exclusivamente à saturação da
humanidade em relação à mentira de séculos, segundo o discurso de Nietzsche. O
balde da saturação transbordou. A retórica e a dialética da crítica da religião
não servem para o senso comum, então, o que resta é a charge – a vingança do
populacho com a catarse dos desenhos de humor... Isto serve para a política, a religião,
enfim, para o day-by-day do imenso vazio
da existência. E esse é o papel da religião: a venda de sensações – de paz,
salvação, prosperidade merecida, etc.
Engraçado é que o onus probandi de cada religião e da natureza de Deus fica sempre no
vazio. Ninguém produz prova científica das matérias de fé e querem nos fazer
deglutir as baboseiras santas de antanho em nome de dogmas hilários. O anjo
visitou Maria na anunciação, mas o anjo Gabriel visitou Maomé na caverna. Então, elas por elas...
Segundo Michel Onfray, existe o gosto
muçulmano pelo sangue. O profeta Maomé exterminou com regularidade as pessoas
em batalhas do islã. Entretanto, Moisés também matou um egípcio. Josué, Elias e
outros, no Antigo Testamento, também mataram centenas de infelizes... Se formos
contabilizar, chegamos à inquisição com os papas fazendo churrasco humano nas
praças públicas aos borbotões... Mas tem sempre a justificativa atual de que só
Deus é perfeito. Os quase cento e cinquenta versículos, entre os mais de seis mil
que compõem o Corão, aprovam a “guerra santa”, o jihad. Isto é muito mais do que necessário para anular a
sustentação dos ditos de paz no restante do livro. Na história de Maomé,
encontramos com frequência a espada e as expedições punitivas.
O que destaco aqui é a natureza beligerante
do islamismo e a não tão beligerante das demais religiões. Os judeus fizeram
guerras, mataram em nome de Deus na Antiguidade e hoje. Os cristãos fizeram
guerras, mataram na Idade Média e hoje. Entretanto, os muçulmanos, que também
mataram muita gente, devido à natureza de fábulas e feitos heroicos da sua
religião, geram braços de terrorismo que não conseguem ser controlados pelo
próprio sistema religioso islâmico. E isso é um peso que, infelizmente, recai
sobre eles. Enfim, é o próprio ego religioso o responsável pela sustentação das
crenças que não fazem mais sentido nos dias de hoje. É nessa direção que firmo
minha opinião de que, se o homem não abrir mão do sectarismo religioso, em prol
de uma união necessária e que estabeleça um modus
operandi de resgate urgente da civilização, em pouco tempo tudo vai
naufragar... Em New Orleans, na ocasião do furacão Katrina, a população se
descontrolou, cada um apegado à sua religião e saíram para comprar armas,
fuzis, pistolas, na ansiedade de criar proteção para as suas famílias. Vedaram
as casas, criaram barricadas, mas não deixaram de cometer estupros contra os
vizinhos mais fracos... Talvez se não estivessem tão aferrados às religiões,
teriam obtido um caminho de maior equilíbrio e resultados positivos de forma
coletiva.
Convenhamos, entretanto, que o princípio da crítica de humor do Charlie Hebdo, às vezes, perde a sutileza que o próprio gênero propõe. O negócio é fazer rir com a crítica, o que nem sempre acontece. Mas terrorismo é outra coisa. Não vi até agora nenhum cristão matar humoristas porque "pegaram pesado" com o papa. É preciso que se comece a entender que os homens ainda respeitam a figura do religioso, mas perdem, cada vez mais, o respeito pelas religiões no mundo de hoje. É um comportamento social crescente: respeita-se a opção do religioso, mas não as crendices, que desabam rápido! Contudo, nada justifica o gosto sectário pelo sangue.
É na religião que o homem encontra o saco de engodo para explorar o seu semelhante, a zona de conforto ideal e a justificativa até para a violência em massa. E isso é bem típico no próprio islã. Muitos dos seus líderes criticam os grupos terroristas, citam o Corão de forma pedagógica, mas no fundo, repetem: "Allahu akbar"... Com esta expressão, que significa "Deus é grande", os muçulmanos conquistaram o Oriente e invadiram o Ocidente. Também gritaram isto quando fuzilaram os cartunistas do Charlie Hebdo... Será que o profeta precisa ser vingado nos desenhistas esquálidos e intelectuosos que fazem piadas com a irresponsabilidade necessária ao século vinte e um? Jesus não precisou de advogados nem da vingança dos seus seguidores. Andou pela Galileia exposto a tudo, sem papamóvel e sem palácio de mármore com teto pintado por Michelangelo... E os judeus que se inventaram como povo escolhido? E o homem criou Deus segundo a sua imagem... A religião é pura divisão!
Por que razão o fio condutor dogmático do Corão jamais pôs um fim aos grupos terroristas que usam o mesmo livro? No passado distante, quando tanto sangue foi vertido em nome de Alá com a expansão do islã, não existiam grupos terroristas... Será que a nação islâmica não vive sem o terror ou não sabe acabar com ele?
Bem, num sentido mais amplo, não visando apenas o fanatismo islâmico, mas deitando um foco sobre todas as religiões do mundo, oui, je suis Charlie!
Convenhamos, entretanto, que o princípio da crítica de humor do Charlie Hebdo, às vezes, perde a sutileza que o próprio gênero propõe. O negócio é fazer rir com a crítica, o que nem sempre acontece. Mas terrorismo é outra coisa. Não vi até agora nenhum cristão matar humoristas porque "pegaram pesado" com o papa. É preciso que se comece a entender que os homens ainda respeitam a figura do religioso, mas perdem, cada vez mais, o respeito pelas religiões no mundo de hoje. É um comportamento social crescente: respeita-se a opção do religioso, mas não as crendices, que desabam rápido! Contudo, nada justifica o gosto sectário pelo sangue.
É na religião que o homem encontra o saco de engodo para explorar o seu semelhante, a zona de conforto ideal e a justificativa até para a violência em massa. E isso é bem típico no próprio islã. Muitos dos seus líderes criticam os grupos terroristas, citam o Corão de forma pedagógica, mas no fundo, repetem: "Allahu akbar"... Com esta expressão, que significa "Deus é grande", os muçulmanos conquistaram o Oriente e invadiram o Ocidente. Também gritaram isto quando fuzilaram os cartunistas do Charlie Hebdo... Será que o profeta precisa ser vingado nos desenhistas esquálidos e intelectuosos que fazem piadas com a irresponsabilidade necessária ao século vinte e um? Jesus não precisou de advogados nem da vingança dos seus seguidores. Andou pela Galileia exposto a tudo, sem papamóvel e sem palácio de mármore com teto pintado por Michelangelo... E os judeus que se inventaram como povo escolhido? E o homem criou Deus segundo a sua imagem... A religião é pura divisão!
Por que razão o fio condutor dogmático do Corão jamais pôs um fim aos grupos terroristas que usam o mesmo livro? No passado distante, quando tanto sangue foi vertido em nome de Alá com a expansão do islã, não existiam grupos terroristas... Será que a nação islâmica não vive sem o terror ou não sabe acabar com ele?
Bem, num sentido mais amplo, não visando apenas o fanatismo islâmico, mas deitando um foco sobre todas as religiões do mundo, oui, je suis Charlie!
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